No espaço de dois meses, a Inglaterra venceu o Torneio de Toulon, o Mundial de sub-20 e o Europeu de sub-19. Pelo meio ainda foi finalista do Euro sub-17 e marcou presença nas meias-finais do Euro sub-21.

A equipa dos três leões está também entre o lote de favoritas à conquista do Mundial sub-17, marcado para outubro, mas o registo já entusiasma uma nação que aguarda, há muito, por um momento de glória com a seleção principal.

Mas antes de pensar nas ambições geradas por este sucesso importa olhar para as causas. Até porque a construção, em 2012, do St. George’s Park, - centro de treinos da federação inglesa que o Benfica vai utilizar pelo segundo ano consecutivo, e onde o FC Porto já tinha estado em 2014 – não explica tudo.

«A principal razão para este sucesso recente é a influência de jogadores de origem estrangeira. Filhos de imigrantes, a maioria de origem africana.»

Esta é a análise de Frederico Morais, treinador português que deixou recentemente o cargo de coordenador da formação do Leyton Orient, onde estava desde 2014, depois de uma curta passagem pela academia do Arsenal.

Radicado em Inglaterra há quase vinte anos, Gil Gomes também conhece bem os escalões de formação deste país, até por ter dois filhos futebolistas. Angel, o mais novo, que joga no Manchester United, até é internacional sub-17 inglês e potencial convocado para o Mundial da categoria.

Gil subscreve a ideia de que «há um número significativo de jogadores de ascendência africana» nas seleções inglesa, mas aponta para uma influência estrangeira a outro nível.

«Mudou a forma de jogar, que deixou de ser pontapé para a frente e fé em Deus, e isso tem a ver com a chegada de treinadores estrangeiros», explica o antigo campeão do mundo de sub-20 por Portugal, em declarações ao Maisfutebol.

Ambas as análises apontam para uma espécie de «Brexin» adaptado ao futebol, portanto, mas em patamares diferentes.

«A forma de trabalhar tem mudado, e agora a formação está mais centrada nos skills. Os jovens crescem com outra cultura, aprendem logo que a base é o drible, o passe e receção. A Inglaterra já não é só pontapé para a frente», reforça.

Gil Gomes considera que «o trabalho que é feito em Inglaterra não deixa nada a desejar ao que é feito na formação em Portugal», e que «as novas gerações inglesas têm uma qualidade igual às portuguesas».

«Aqui há uns anos era difícil ver um miúdo a jogar um ou dois escalões acima. Eu notei isso com o meu filho mais velho (ndr. Rico, 23 anos, formado no Man Utd e jogador do Macclesfield Town em 2016/17). Achava que ele tinha potencial para jogar acima, mas nunca deixaram. Agora com o Angel já notei essa abertura, que facilita a evolução do jogador», complementa.

Frederico Morais concorda que a qualidade do jogador inglês «é igual ou superior à do português», mas entende que ainda há algo a condicionar este potencial. «O problema é o treino. É fraco, muito formatado. Nesse sentido estão vinte anos atrasados em relação a nós. O entendimento tático é pobre», defende, ao Maisfutebol.

No que diz respeito às condições que são oferecidas aos jovens, aí nada a apontar. «Um jogador sub-18 inglês já é profissional. Recebe salário e tem educação paga. Sejam clubes da Premier League ou da League Two. E todos os treinadores trabalham a full-time. Mesmo um treinador dos sub-9 do Arsenal trabalha a tempo inteiro», explica o novo coordenador da formação do Sarpsbporg, atual segundo classificado da Liga norueguesa.

Frederico Morais insiste, no entanto, que «o desenvolvimento do jogador não é feito da melhor forma». «Focam-se em coisas acessórias, utilizam a psicologia e a fisiologia de forma desajustada», sustenta.

Na opinião do antigo coordenador da formação do Leyton Orient, em Inglaterra ainda é dada importância excessiva ao lado físico. «Há clubes que só contratam a partir de determinada altura. O Chelsea só contrata guarda-redes a partir de 1,95m. Se tiver 1,94m já não dá», relata.

Gil Gomes entende que «os treinadores ingleses também têm evoluído», por força da tal influência de colegas estrangeiros, e por isso perspetiva um futuro auspicioso para a equipa dos três leões.

«Daqui a quatro ou cinco anos vamos ter uma seleção inglesa muito forte», avisa o ex-jogador, a apontar para o Mundial2022.