O desastre de Hillsborough que resultou na morte de 96 adeptos de futebol fez 26 anos nesta quarta-feira. Ficou para a história do futebol como uma das maiores tragédias num estádio – e a maior do futebol inglês em concreto no número de mortes. Mas marcou também o início do fim do peão nos estádios ingleses.

Esse peão, essa bancada geral onde se vê futebol de pé, onde o apoio dos adeptos se faz de maneira diferente, mais efusiva, mais próxima; que é sentida dentro de campo também dessa forma mais contagiante. Depois de Hillsborough, o peão foi retirado dos estádios ingleses que entrem nas duas principais divisões. Mas os adeptos querem-no de volta.

A discussão está lançada desde há cerca de um par de anos por quem vai ao futebol e quer vê-lo da forma mais contagiante que pode. Os argumentos desportivos e, também financeiros, têm sido apontados. Mas ainda não colheram frutos – pelo menos, todos os necessários. A discussão ultrapassa atualmente estes patamares e chega ao plano em que – «ou sim ou sopas» – pode ter uma definição concreta: chega ao plano institucional e de cariz político.

Foi há cerca de três anos que a Federação de Adeptos de Futebol (FSP, do inglês «Football Supporters’ Federation») iniciou uma petição para que as bancadas de peão voltassem aos estádios dos principais jogos de futebol de Inglaterra. Não é a antiga «geral» associada à insegurança o que se pretende; é o peão dos «dias de hoje» que se quer reintroduzir, sob o mote da Campanha «Safe Standing» (qualquer coisa como «campanha para ver futebol de pé em segurança»). O que a FSF quer nos estádios ingleses é isto:



Esta imagem do estádio do clube alemão Hannover mostra o atual conceito do peão. É um conceito que já convence várias instituições, entidades ou clubes no Reino Unido, mas que também ainda não tem as aprovações fundamentais para o futebol de topo. A herança de Hillsborough continua a fazer-se sentir (como já no ano passado, no 25º aniversário da tragédia, vincávamos).

No estádio do Sheffield Wednesday, em 1989, morreram 96 pessoas, maioritariamente por esmagamento ou asfixia. A partir dessa tragédia, Inglaterra aboliu não só as vedações como as bancadas de peão nos jogos dos dois principais campeonatos (a Premiership e o Championship). A Europa, no geral dos seus campeonatos nacionais de topo, e nas provas da UEFA, seguiu o exemplo [como também se viu no artigo já relacionado].

As feridas estão longe de estarem todas saradas em Inglaterra. Ainda neste mês decorrem audições sobre o que «correu mal» em Hillsborough, com final marcado para o próximo dia 20 – o termo do inquérito está previsto para 2016. Ainda nestas audições, foi dito por antigos responsáveis das autoridades de então que estas deliberadamente tentaram atirar as culpas para cima dos adeptos do Liverpool. Ainda nestas audições, o comandante policial no estádio reconheceu que mentiu: e disse em tribunal que não foram os adeptos quem forçou a entrada no recinto, mas que foi ele quem deu a ordem para se abrirem os portões para deixar entrar os milhares de pessoas ainda fora do estádio quando o jogo já tinha começado.

A tragédia de Hillsborough continua presente, como nesta quarta-feira se viu em mais um dia de homenagem, com os sinos em Liverpool a repicarem uma vez por cada vítima mortal durante o minuto de silêncio cumprido às 15:06 – hora a que o jogo da Taça de Inglaterra entre os «reds» e Nottingham Forest foi interrompido em Hillsborough. O Estádio de Anfield foi em mais um ano o centro do tributo às vítimas.



A memória fica, novas responsabilidades têm vindo a ser assumidas, Os adeptos ingleses querem o peão de volta. Mas o plano institucional, mesmo político, é moroso. No mesmo ano de entrada em cena da FSF, 2011, a Premier League escocesa deu luz verde para o regresso das bancadas de peão. Mas ainda no ano passado foi chumbada a proposta de «safe standing» para o Celtic Park.

Os escoceses são independentes da Inglaterra na legislação que decorreu do Relatório Taylor acabando com vedações e bancadas de peão, mas também o Celtic se deparou com voltas políticas apesar do «ok» desportivo da Scotish Premier League. A Câmara Municipal de Glasgow não aprovou o plano submetido à sua Divisão de Segurança – que disse inclusivamente ser este um assunto para o Parlamento Escocês; que, por sua vez, já tinha referido ser uma questão municipal...

O País de Gales não tem esta independência política dentro do Reino Unido, mas a sua Assembleia votou a favor do «safe standing». E mandatou os seus deputados para pedirem ao ministério do Desporto britânico a instauração de um projeto piloto no país. O Swansea City e o Cardiff City são os dois emblemas galeses na Premiership e que, segundo s FSF, apoiam o regresso do peão.

A federação de adeptos revela também que há vários outros clubes da principal divisão inglesa apoiantes do movimento – como o Aston Villa, o Crystal Palace, o Hull City – mas a Premier League ela mesma manifestou-se desde logo contra a ideia. A Football League (que tutela o Chamspionship), pelo contrário, mostrou-se a favor. E o Lib Dem (partido liberal democrata de Nick Clegg que está no governo britânico coligado com os conservadores de David Cameron) introduziu o tema na sua campanha para as eleições parlamentares do próximo mês.





Enquanto na Inglaterra se espera por decisões, na Alemanha (como na Suécia, por exemplo), vários são os estádios com bancadas dos dias de hoje para se ver o futebol de pé – como os do Wolfsburgo, do Hannover ou do Borussia Dortmund, por exemplo. O conceito é simples dividindo as filas (numeradas) de público através de barreiras. Cada uma destas têm uma cadeira com um assento retrátil que recolhe (trancado por uma fechadura) para os jogos das competições nacionais.



Nos jogos das competições europeias, cada cadeira é destrancada e o assento baixa cumprindo as normas exigidas pela UEFA para «todos os lugares sentados». Os responsáveis do Hannover, por exemplo, garantem que as questões de falta de segurança não são levantadas nas zonas de peão do estádio. As atuais bancadas gerais são consideradas muito seguras. E permitem ter mais adeptos: aumentando as receitas e melhorando o ambiente – dois dos grandes argumentos, e não só dos adeptos...

O Westfallenstadion do Borussia Dortmund (agora Signal Iduna Park) é um dos melhores exemplos com a sua bancada de peão denominada «muro amarelo» que comporta 25 mil adeptos.



E, também, não se pode deixar de referir (para os defensores do peão) toda questão socio-desportiva que está inevitavelmente associada a estes adeptos – como os ingleses também fazem questão de frisar. Mas que, por coincidência (ou não?), está também a ser objeto de destaque no outro lado do Atlântico.

No Brasil, ficou com exibição marcada para esta quarta-feira dia 15, em São Paulo, o documentário «Geraldinos» - e exibições no Rio de Janeiro nos dias 16 e 17. O filme de Pedro Asberg e Renato Martins retrata precisamente os adeptos (no caso concreto do Maracanã) que eram os adeptos habituais da geral, daquele peão que lhes dava uma identidade para além do cognome.

TRAILER GERALDINOS from Jacqueline Filmes on Vimeo.