O jogo quatro tinha terminado. O Inter Movistar tinha goleado o Barcelona, por 6-1, na cidade catalã e a decisão do título ia para Madrid, com 2-2 em jogos para cada equipa. Jesus Velasco entrou no balneário e viu Ricardinho. Estranhamente, depois de um resultado daqueles, cabisbaixo…

«Ele estava descontente, insatisfeito.»

O internacional português tinha apontado um dos seis golos com que o Inter batera um Barcelona que apenas dois dias antes tinha aplicado o mesmo score, em Madrid.

Enquanto os outros jogadores digeriam o segundo triunfo de uma final que ia ser decidida em cinco partidas, Ricardinho continuava «ausente». Por assim dizer, noutro mundo. O dele.

«Entrei e perguntei o que se passava. “Tenho de jogar mais, fazer mais golos”, disse-me ele.»

Ricardinho estava com a perceção de que, para chegar ao título, tinha de dar mais ao Inter Movistar.

Porque este que se disputava, não era apenas mais um troféu. Seria o quarto campeonato espanhol, o tetra, desde que se mudou para aquela liga. Completaria, ainda, uma época em que o Inter Movistar já tinha conquistado a Taça e a UEFA futsal Cup.

Seria estranho o clube de Madrid dizer que era o melhor da Europa e haver outro a dizer que, simplesmente, era o melhor de Espanha.

Já Ricardinho, portanto, achava que estava a aparentar ser o melhor do mundo, quando, na realidade, precisava de sê-lo.

«É o jogador mais importante da equipa. Não é imprescindível, ninguém é, e ele também não. Mas é o mais importante, sem dúvida. É aquele que assume mais responsabilidades.»

Um dia depois de o Inter Movistar completar o triplete de títulos em 2017 e o tetra espanhol, Jesus Velasco atende a MF Total. É um dia depois de Ricardinho, o mágico, ter voltado a ser genial.

São menos de 24 horas depois de um lance que resolveu o campeonato a favor dos madrilenos, no Pabellón Jorge Garbajosa, e de um grito de golo que terminou com o número 10 no chão, a celebrá-lo. O último golo de uma época de glória.

«São muitos jogos», sublinhou Jesus Velasco. «Creio que ele terminou como máximo goleador da equipa. E ele não é um goleador. É um jogador que marca golos, claro, mas não é um goleador», considerou o treinador, para acrescentar de imediato: «Agora, é um jogador muito completo.»

Quando fez o 2-1 no último jogo da final do campeonato espanhol, Ricardinho estava a tirar um peso dos ombros. Mas ainda havia tempo no cronómetro.

O Barcelona avançou para uma superioridade de cinco para quatro. Por outras palavras, um jogador de campo ocupou o lugar do guarda-redes.

Ricardinho, um mago no ataque, tinha agora de ser o campeão da defesa.

«Ele esforça-se muito defensivamente porque é onde tem mais carências. Mas, por exemplo, é um pilar quando jogamos em inferioridade de 5x4», destacou o técnico espanhol. Foi por isso que Velasco não abdicou do R10 nos minutos que restavam para decidir o campeonato.

La Décima, conforme A Marca tinha referido sobre o número de conquistas de Ricardinho ao serviço do Inter, estava garantida. Ainda assim, no final e com o tetracampeonato conquistado, Ricardinho lamentou as críticas. Chorou, inclusive.

«As pessoas pensam que o Ricardinho tem de resolver todos os problemas. Esquecem-se que isto é um desporto coletivo. Não sabem quantos minutos joguei por jogo, mais de trinta, lesionado, com dores, sem parar, mas pensam que somos máquinas.»

Não é. Ele não é, garantiu Jesus Velasco. «É uma pessoa de grande coração», sublinhou o técnico do Inter.

«Quer agradar a todos, quer dar todos os autógrafos, fica meia hora a fazê-lo se for preciso. Mas já se sabe que ninguém agrada a todos. Há gente que aproveita um jogo pior para criticar. Ele tem de estar por cima. E aí estamos nós, os seus colegas, treinadores e dirigentes. Não devia ficar afetado com isso. Ele é uma estrela mundial, está debaixo do holofote, mas há sempre alguém que quer causar dano. »

Ricardinho sempre muito solicitado pelos adeptos; aqui com benfiquistas, com quem partilhou vários troféus

O Inter Movistar não era campeão desde 2007/08. Em 2013/14 contratou Ricardinho - um futsalista com títulos no Benfica, um deles europeu, e no Nagoya Oceans - e fez um tetracampeonato. Foi o português que mudou a História?

«Ele é um jogador. Um de 14. Sabe que é o mais importante, mas busca sempre essa relação com os companheiros.»

Jesus Velasco desvenda que R10 é um profissional que se preocupa com os colegas, ainda que todo o ser necessite dos seus momentos.

«Quando está mais cansado, não fala. Fica cabisbaixo, mais ausente. Isso é normal. Mas é um jogador alegre, muito próximo dos jovens e daqueles que jogam menos. Como disse, ele é o mais importante de todos e é-o também porque se preocupa com os outros. Creio que essa ajuda aos outros tem a ver com o tipo de pessoa que é.»

É a pensar nele próprio, porém, que Ricardinho está naquele balneário, em Barcelona, no final do tal jogo quatro. Um jogador «cabisbaixo, descontente e insatisfeito» porque quer render mais.

Depois de ouvir o lamento do camisola 10, Velasco intervém.

«Quando ele referiu que precisava de fazer mais e marcar golos, disse-lhe que ele estava a dar o melhor que tinha. É certo que não estava no seu nível máximo, mas respondi-lhe: “Ainda vais ver que vais fazer golo no momento mais importante.”»

O treinador atira, como num remate certeiro: «E assim foi!»

O 2-1 do quinto e último encontro da final com o Barcelona engrandeceu a lenda de Ricardinho.

«Eu sou o treinador do melhor jogador do mundo. Claro que sou! Estou a aprender muito com ele. É um privilégio treiná-lo. Ele sabe que é um pilar deste clube», assumiu Jesus Velasco, sobre um jogador que «todos respeitam, quer em Espanha, quer no resto do mundo», até porque ele já foi de Gaia ao Japão, com passagem em Lisboa e Moscovo até parar onde está.

«Ninguém lhe deu nada. Conseguiu-o graças àquilo que é. Tem o respeito de todo o futsal mundial, sabe que é uma estrela e assume essa responsabilidade», frisou o treinador do Inter Movistar.

Considerado o melhor jogador de futsal do planeta em 2010, 2014, 2015 e 2016, as comparações com outro português que habita Madrid são óbvias.

Um no futebol na relva, outro em pavilhão. Um de chuteiras, outro de ténis. Um no Real, outro no Inter.

Qual é melhor, o Ronaldo no futebol ou Ricardinho no futsal? Velasco desata um riso. «Bem, não sei, o Cristiano é um fora de série, mas eu não estou no mundo do futebol, não posso falar sobre ele. Já o Ricardo…o Ricardo é o topo do futsal», concluiu Velasco, sem usar diminutivos para descrever Ricardo Braga.