Muitos foram os que recordaram os momentos altos da carreira de Ronaldinho, numa altura em que o fim da carreira foi anunciado, mas nenhuma homenagem chega perto à emoção que o jogador passou numa carta à versão de si próprio com 8 anos, que foi publicada no «The Players Tribune».

Ronaldinho recorda «uma infância bem diferente para você», quando com 13 anos as pessoas já falavam dele, mas quando o futebol era ainda «apenas jogo». Mas lembra também o dia em que tudo mudou. «Em 1994, quando você estiver com 14 anos, a Copa do Mundo de 1994 mostrará que o futebol é mais do que simples jogo».

«Durante as comemorações [da vitória do Brasil na final com a Itália], fica claro para você o que você deseja fazer pelo resto de sua vida», revela. «’Eu vou jogar pelo Brasil’, você vai dizer para si mesmo naquele dia».

O craque brasileiro recorda então que nem todos acreditaram nele, «um técnico em particular», sobretudo por causa do seu estilo. «Esse técnico em especial acreditará que você precisa ser mais sério, que deve parar de driblar tanto. ‘Você jamais será um jogador de futebol’, esse técnico dirá. Use essas palavras como motivação. Use essas palavras para ficar concentrado. E então pense nos jogadores que fizeram o jogo bonito – Dener, Maradona, Ronaldo».

E foi às palavras do pai, então já falecido, que Ronaldinho foi buscar também motivação e inspiração. «Pense no que o Pai disse: jogar livre e apenas brincar com a bola. Jogue com alegria. Isso é algo que muitos técnicos não entenderão, mas quando você estiver em campo, você jamais irá calcular. Todas as coisas vão acontecer naturalmente. Antes de você ter tempo para pensar, seus pés já terão tomado a decisão».

Ronaldinho recorda também o dia da morte do pai, do «super-herói» de quer herdou o amor pelo futebol, e de como o irmão Roberto assumiu esse papel parternal e se tornou num «ídolo».

Recorda ainda o cão, Bombom, «perfeito para praticar os dribles e para colocar em prática seu estilo», e de quem o jogador se lembrava ao ver alguns defesas quando já jogava na Europa, e o dia em que foi convocado pela primeira vez a seleção, na altura Sub-17. «Quando você entrar no refeitório, você vai reparar nas fotos emolduradas nas paredes – Pelé, Zico, Bebeto. Você caminhará nos mesmos corredores como aquelas lendas do futebol. Você vai se sentar nas mesmas mesas de refeitório que Romário, Ronaldo e Rivaldo se sentaram. Você vai dormir nos mesmos dormitórios que eles dormiram. Quando você colocar a cabeça no travesseiro, seu último pensamento do dia será: eu me pergunto quais dos meus ídolos dormiram neste mesmo travesseiro, também».

Ao integrar a equipa principal do Grémio, aos 18 anos, um pensamento: «A vida não pode ficar melhor do que isso». Mas o adulto lembra ao menino que «não é aqui que a sua história termina».

E é chegada a estreia pela Seleção Brasileira ao lado de Dunga, campeão do Mundo em 94. «Quando você chegar a este nível, as pessoas vão esperar muitas coisas de você. Você vai continuar jogando do seu jeito? Ou vai começar a calcular? Vai jogar de forma segura? O único conselho que tenho para te dar é esse: Faça do seu jeito. Seja livre. Ouça a música. Esta é a única maneira de você viver sua vida».

Ronaldinho conta depois sobre a vontade de chegar ao futebol europeu depois de ter visto os troféus de Ronaldo e de ter ouvido as histórias do Fenómeno. «De repente, você vai querer fazer história também. O seu sonho vai além do Gremio. Em 2001, você vai assinar com o Paris St.-Germain».

«Como posso dizer a uma criança que nasceu uma casa de madeira em uma comunidade como será a vida na Europa? É impossível. Você não vai entender, mesmo que eu te diga. A partir do momento em que você sair para Paris, Barcelona e, em seguida, Milão, tudo vai passar muito, muito rápido. Alguns dos meios de comunicação na Europa não vão compreender o seu estilo de jogo. Eles não vão entender por que você está sempre sorrindo. Bem, você está sorrindo porque o futebol é divertido. Por que você ficaria sério? Seu objetivo é espalhar a alegria. Vou dizer novamente – criatividade antes do cálculo».

E deixa um conselho ao jovem Ronaldinho: «Permaneça livre, e você vai ganhar uma Copa do Mundo para o Brasil. Permaneça livre, e você ganhará as Ligas dos Campeões, La Liga, Serie A. Permaneça livre, e você ganhará uma Ballon d’Or».

O maior motivo de orgulho é «ter ajudado a mudar o futebol em Barcelona com o seu estilo de jogo». «Quando você chegar na Espanha, o Real Madrid será a grande sensação do futebol espanhol. Alguns anos depois, no momento em que você deixar o clube, as crianças vão sonhar jogar ‘do jeito do Barcelona’», avisa.

E lembra um menino «diferente», «pequeno» como ele, «que brinca com a bola» como ele. «Você e os rapazes irão vê-lo jogar pelo plantel juvenil do Barcelona, e, nesse momento, você vai saber que ele vai ser mais do que um grande jogador de futebol. Seu nome é Leo Messi».

O adulto Ronaldinho pede então ao pequeno Ronaldinho que, quando encontar Messi lhe dê um conselho: «Diga a ele: ‘Eu quero que você jogue com alegria. Jogue com liberdade. Apenas brinque com a bola nos pés’».

«Muitas coisas vão acontecer na tua vida, coisas boas e coisas ruins. Mas tudo o que vai acontecer você deve ao futebol», escreve, recordando uma foto em que joga futebol com o pai, ambos a sorrir.

«Quando o dinheiro vier, e a pressão, e os críticos, permaneça livre. Jogue como ele disse para você jogar. Brinque com a bola», termina a emotiva missiva.