Quase um mês depois do fenómeno Leicester City ter abalado o mundo futebolístico com a conquista da Premier League, aí temos mais um campeão surpreendente, neste caso, noutras latitudes. O Plaza Colonia, modesto clube uruguaio da cidade de Colonia del Sacramiento, nas margens do Rio da Prata, conquistou de forma absolutamente inesperada o Clausura uruguaio, depois de ter batido o histórico Peñarol, garantindo assim também que irá disputar a Copa Libertadores pela primeira vez em 100 anos de história.

O mais curioso é que este clube está localizado numa cidade com fortes raízes portuguesas. Foi um português, Manuel Lobo, que em 1680 fundou a cidade de Colonia del Sacramiento, na altura denominada Colónia do Santíssimo Sacramento. Lobo era à época o governador e capitão-mor da capitania do Rio de Janeiro e esta conquista resultou da intenção da Coroa Portuguesa de estender as fronteiras, aproveitando certas imprecisões do Tratado de Tordesilhas, assinado por Portugal e Espanha quase 200 anos antes.

A cidade acabou por ser recuperada pelas forças espanholas nesse mesmo ano, antes de ter sido devolvida por três vezes aos portugueses: em 1683 (tendo os espanhóis recuperado aquele território em 1705), em 1715 e em 1763, tendo nuestros hermanos recuperado em definitivo aquele território em 1777. 40 anos depois, no entanto, e na sequência das invasões luso-brasileiras, Colonia del Sacramiento voltou a estar na posse dos portugueses, tendo integrado em definitivo o Estado Oriental do Uruguai a partir de 1828.

O centro histórico da cidade, onde se notam os traços da presença portuguesa, é hoje em dia considerado património da Humanidade pela UNESCO e foi lá que os jogadores do Plaza Colonia festejaram na noite de domingo o primeiro título da história no escalão máximo do futebol uruguaio.

Do drama financeiro à glória em menos de dois anos

A história do Plaza Colonia pode ser equiparável à do Leicester porque ambos começaram o campeonato como candidatos a descer de divisão e acabaram como campeões e também porque vêm de um percurso recente no segundo escalão. Apenas por isso. Porque em tudo o resto é um mar de distância entre os dois emblemas...

Só para termos noção do feito alcançado pelo emblema de Colonia del Sacramiento, há pouco mais de um ano e meio, o Plaza, como também é conhecido no Uruguai, esteve para não se inscrever no campeonato da segunda divisão por problemas económicos. Conseguiu a inscrição, definiu um plano de ataque à subida de divisão e atingiu o objetivo, sagrando-se vice-campeão do segundo escalão do campeonato uruguaio.

No regresso ao escalão principal, o Plaza Colonia colocou como meta a permanência, procurando fazer um campeonato o mais digno possível. O torneio Apertura não foi nada fácil, sendo que os patas blancas, como são conhecidos, ficaram na 13ª posição.

A história, porém, iria ser muito diferente no último semestre: com um plantel sólido e sem mudar muito o onze de jogo para jogo, o Plaza Colonia arrancou em grande no torneio Clausura e foi somando vitórias atrás de vitórias até se estabelecer entre os primeiros lugares do campeonato. O sonho de atingir uma competição continental pela primeira vez numa história quase centenária estava muito próximo de acontecer. Com uma ponta final espetacular (sete jogos seguidos sem perder), o Plaza conquistou um impensável título e o consequente lugar na Copa Libertadores 2017, a uma jornada do fim do campeonato, após ter vencido o Peñarol, no mítico Estádio Campeón del Siglo (2-1).

O jogo da consagração, no fundo, foi o reflexo de todo um comportamento brilhante ao longo do torneio: jogando de igual para igual e não se deixando atemorizar pelo feito que estava prestes a alcançar e pelo estádio onde estava a jogar, o Plaza marcou bem cedo e, mesmo tendo sofrido o empate num golo fora-de-jogo, não parou de procurar a vitória, tendo alcançado o prémio a onze minutos do final, através de uma grande penalidade concretizada por Villoldo.

Respeito, humildade e trabalho: os pilares de Espinel

O campeonato do Plaza Colonia foi francamente notável e nele sobressaíram vários jogadores de grande nível: os atacantes Dibble, Rivero, Leal e Waller destacaram-se pela técnica, capacidade de condução de bola e finalização, os médios Milesi e Caseras por todo o trabalho empreendido e capacidade de passe, os defesas De Ávila, Rodríguez, Ferreira e Villoldo pela regularidade e agressividade com que fechavam os espaços e o guarda-redes Dawson notabilizou-se pelas inúmeras defesas que ajudaram este modesto clube a garantir o primeiro título no escalão máximo.

Mas há um nome que se destaca dos demais: Eduardo Espinel. O treinador de 43 anos, que fez subir o emblema verde-e-branco no ano passado, é por estes dias um dos nomes mais falados na imprensa uruguaia, algo totalmente compreensível dada a dimensão do feito. No final do encontro frente ao Peñarol, o técnico do Plaza Colonia, visivelmente emocionado, enunciou as chaves do sucesso do clube neste Clausura: «Respeito, humildade e trabalho». Segundo ele, são «três conceitos que não se negoceiam».

«O mais importante que podemos dizer, no meio de todos estes festejos, é que isto é um exemplo de vida. Quando temos grandes objetivos, há que seguir o caminho que nos parece mais correto. E quando se atravessa uma árvore nesse caminho, há que cortá-la e seguir em frente. Temos de trabalhar para alcançar os nossos objetivos», destacou Espinel, num discurso tão simples quanto direto e objetivo. E realmente, foi essa simplicidade, conjugada com um objetivo bem definido, que levou um clube tão humilde a alcançar um sucesso visto por muitos como um autêntico milagre.