Tem 34 anos, foi internacional jovem pela Espanha e é lá que joga hoje, na terceira divisão. Já jogou na Premier League, fez boa parte da carreira como lateral e agora, na pele de ponta de lança, está a ser figura da CAN. Dos grandes campeonatos europeus viajaram muitos craques para a Costa do Marfim, mas a grande figura da primeira fase da Taça Africana das Nações, que teve surpresas com fartura e terminou nesta quarta-feira, foi Emilio Nsue. O capitão da Guiné Equatorial leva cinco golos em três jogos e liderou a alegre dança da sua seleção até ao primeiro lugar naquele que era considerado o grupo da morte.

A equipa sensação da primeira fase começou por se apresentar com um empate no jogo de abertura frente à favorita Nigéria. No jogo seguinte, Nsue vestiu a pele de herói na goleada à Guiné-Bissau. Marcou três golos nesse triunfo por 4-2 e fez história logo ali – ninguém fazia um hat-trick na competição africana há mais de 15 anos.

No último jogo, a Guiné Equatorial e Nsue fizeram mais. Venceram a Costa do Marfim por 4-0, deixando a seleção anfitriã em risco de ser eliminada. Foi a maior derrota caseira de sempre da Costa do Marfim e provocou a queda do selecionador, ainda antes de a equipa da casa garantir o apuramento no último suspiro, face à combinação de resultados da última jornada, apurando-se como o último terceiro classificado. Teve melhor sorte que outras potências, como a Argélia ou o Gana, que ficaram pelo caminho logo ao fim dos três primeiros jogos.

Nsue marcou mais dois golos frente à Costa do Marfim e terminou a primeira fase com cinco, mais do que qualquer outro jogador desde 1970 – o último a conseguir melhor registo de golos na fase de grupos tinha sido o marfinense Laurent Pokou, que apontou sete nessa edição e que deu aliás o nome à bola oficial de jogo desta CAN.

«Nem conseguimos acreditar. Isto é história para o nosso país. É um sonho, um grande sonho», disse Nsue à Associated Press após a vitória sobre a Costa do Marfim, fazendo de caminho uma análise pragmática ao jogo: «Às vezes isto acontece no futebol. Fizemos quatro ou cinco remates e marcámos quatro golos. Eles tentaram o seu melhor. Nós tentámos o nosso melhor. Mas mostrámos uma vez mais que somos muito fortes como grupo. Lutamos uns pelos outros. Ajudamo-nos uns aos outros. Não temos nenhuma super estrela. Mas, como equipa, somos uma das mais fortes de África.»

A Guiné Equatorial, que tem também na CAN o bracarense Luis Asué, apurou-se como líder do grupo, relegando para o segundo lugar a Nigéria de Osimhen e companhia, com José Peseiro no banco. Agora, a seleção que está no 88º lugar do ranking da FIFA, em 18º lugar entre as equipas africanas, vai defrontar nos oitavos de final a Guiné-Conacri, a sonhar ainda mais alto naquela que é apenas a sua quarta presença na competição, onde tem como melhor registo o quarto lugar de 2015.

Partilhou casa com Griezmann e foi campeão europeu pela Espanha

Nsue já estava nessa equipa. Ele leva 12 anos a representar a Guiné Equatorial, mas não foi um processo linear. Nascido em Maiorca, filho de mãe espanhola e pai guineense, Nsue é um produto do futebol espanhol. Formado no Maiorca, foi lá que chegou a sénior, mas a sua afirmação aconteceu numa época de cedência à Real Sociedad em 2009/10, quando fez parte de uma equipa memorável que levou a equipa basca de volta à Liga. Partilhou casa com Antoine Griezmann, de quem é amigo até hoje, como contou numa entrevista à Relevo: «Vivemos seis meses juntos, os dois a fazer as refeições, a jogar Playstation, no computador, a irmos juntos para os treinos…»

Jogava a avançado, mas isso mudou no regresso a Maiorca. Depois de uma conversa com o treinador, que era Michael Laudrup, a lenda dinamarquesa. «Comecei a falhar algumas oportunidades como ponta de lança e ele disse-me: ‘Tens de ir um pouco mais para trás, para a ala’», contou Nsue ao podcast On The Whistle. Foi recuando, distinguiu-se como lateral mas jogou em quase todas as posições em campo, diz. E está bem assim: «Prefiro jogar numa posição ofensiva, como avançado ou ala, mas também jogo como defesa, até central. Mas eu adoro futebol, não me importo. O mais importante é isso, gostar de futebol.»

Chegou cedo às seleções jovens de Espanha, que representou em vários escalões. Foi campeão da Europa de sub-19 em 2007 e de sub-21 em 2011, pelo meio esteve no Mundial sub-20.

O contrato com a Guiné, a visita à tribo e a receção à Cristiano Ronaldo

Ao longo desses anos, a Guiné Equatorial tentou seduzi-lo, mas ele foi adiando a decisão. Até que disse sim. Foi em 2013, num acordo que até teve honras de divulgação pelos canais oficiais do país, anunciando pormenores do «contrato», segundo o qual Nsue se comprometia, por exemplo, a estar presente em todas as convocatórias para que fosse chamado, enquanto a Federação se responsabilizava «pelos gastos e pelos incentivos». Também lhe deram a braçadeira de capitão.

«Decidi aceitar a proposta porque era a oportunidade de viver algo único. Tinha curiosidade de conhecer a família do meu pai, as minhas origens, incluindo a minha tribo», disse Nsue à Relevo: «Uma das primeiras coisas que conheci foi a tribo a que pertenço: Esseng.»

Foi recebido na Guiné como uma estrela. «Nessa época jogava na Liga com o Maiorca e receberam-me no aeroporto como se fosse o Cristiano Ronaldo. Valorizaram muito um jogador da Liga espanhola ir jogar na Guiné, que na altura perdia todos os jogos. Sentia-me como um Deus.» Essa ligação continua, diz: «Em doze anos nunca faltei e vim sempre dar a cara. Tomei essa decisão e foi uma das melhores da minha vida. Estou muito agradecido e muito contente pelo que vivi nestes doze anos. A Guiné Equatorial deu-me e continuar a dar-me muito.»

De Inglaterra à Bósnia, uma carreira a correr mundo

A chegada de Nsue começou por sair cara à Guiné. Nsue estreou-se pela seleção em estilo, com um «hat-trick» frente a Cabo Verde na qualificação para o Mundial 2014, mas a FIFA considerou que a documentação da sua mudança de Federação não estava completa e penalizou a Guiné Equatorial com derrota administrativa nesse e no segundo jogo de qualificação também frente a Cabo Verde, pelos mesmos motivos.

Mas a partir daí tornou-se a grande referência da equipa, enquanto corria mundo. Deixou o Maiorca em 2014 para rumar ao Middlesbrough, com quem subiu à Premier League duas épocas mais tarde. Depois jogou no Birmingham, antes de se mudar para o Chipre e jogar no APOEL e no Apollon Limassol. Em 2021 esteve seis meses sem clube, a treinar-se sozinho em Maiorca, para poder representar a Guiné na CAN. Depois prosseguiu a carreira na Bósnia, onde jogou meia época no Tuzla. Agora está há duas temporadas no Intercity, na Primera Division RFEF, o terceiro escalão do futebol espanhol.

«Poder contar ao meu filho que fui o melhor marcador da CAN»

Foi de Alicante que partiu rumo à Costa do Marfim, para liderar a sua seleção numa campanha épica e pôr o mundo a falar dele, aos 34 anos. Na seleção, está a viver o seu melhor momento. E está de pé quente. Em novembro marcou dois golos que valeram outras tantas vitórias, frente a Namíbia e Libéria, no arranque da qualificação para o Mundial 2026.

Com 22 golos, já é o maior goleador de sempre da Guiné Equatorial e não esconde que terminar como melhor marcador da CAN passou a ser objetivo. «É um sonho, não uma exigência», dizia na entrevista à Relevo, ainda antes de bisar frente à Costa do Marfim: «O meu objetivo é ser o maior goleador para um dia poder contar ao meu filho que fui o melhor marcador da Taça de África à frente de Salah, Mané ou Osimhen.»