Jorge Mendes avisou, o presidente chinês Xi Jinping impôs e tudo se está a concretizar.

O ano do Macaco na China promete ser o ano zero do lançamento do campeonato chinês para a ribalta do futebol e quem está por dentro do mesmo conta que há condições para que se torne numa potência da modalidade.

O Maisfutebol falou com Rúben Micael e Kléber, que estão no país oriental há sete meses, para perceber como é o futebol que lá se pratica, a paixão dos adeptos e se há condições para um futuro risonho.

O internacional português avisou logo: «O futebol não é assim tão mau. As pessoas têm uma ideia errada do futebol chinês.»

Apesar de defender a qualidade do jogo praticado, Micael não escondeu que não foi o futebol que o levou para o outro lado do mundo, mas sim a parte económica, e confessou que foi Sérgio Conceição, na altura em que o treinava no Sp.Braga, que o impediu de ir mais cedo.

«Não vou ser hipócrita, é óbvio que pensei no futuro da minha família. Havia a possibilidade de ir em janeiro [de 2015], mas o Sérgio na altura não deixou que isso acontecesse. Com o passar do tempo fui falando com algumas pessoas, fui-me preparando e quando voltou a abrir o mercado lá, sabia que a possibilidade de ir era muito grande», contou.

O avançado brasileiro assinou pelos mesmo motivos pelo Beijing Guoan e generaliza: «Acho que qualquer jogador que venha para o futebol chinês, vem para conquistar a sua independência financeira.»

Dinheiro abunda, mas Kléber defende que os clubes chineses precisam de investir noutros parâmetros sem ser na contratação de jogadores: «Ainda precisam de evoluir em muita coisa 'extra campo', como por exemplo em estrutura e suporte ao atleta. São vários pequenos detalhes que fazem a total diferença para o desempenho do atleta, nomeadamente um bom ginásio e uma boa fisioterapia, o que aqui na China nem sempre acontece.»

Os dois parecem estar de acordo em quase tudo e avisam que as semanas iniciais na China são muito complicadas. A definição que os dois deram foi: «choque».

«A maior dificuldade começa na língua. São poucos, ou quase nenhuns, que falam inglês. Até na área da restauração encontrei algumas dificuldades pela inexistência de ementas com tradução em inglês ou ilustração adequada. Hoje já me sinto mais adaptado ao mundo chinês. Sem contar que a internet tem restrições. Isso dificulta muito a comunicação com a família e amigos. Acabamos por ficar um pouco isolados e por fora de algumas coisas», referiu o antigo avançado do Estoril, FC Porto e Marítimo.

Neste aspeto, Rúben Micael conta com uma preciosa ajuda que o seu clube, o Shijiazhuang Yongchang, lhe oferece: «um tradutor disponível durante 24 horas».

Embora com vários entraves iniciais, sobretudo Kléber que teve uma lesão inicial, os dois já estão adaptados ao futebol chinês e elogiaram o que lá encontraram.

Micael, depois de ter avisado que o futebol não é tão mau como pensamos, explica que o ritmo é semelhante ao que se encontra cá: «Confesso que quando vim achava que os chineses não tivessem assim tanta qualidade, depois de cá estar realmente surpreendeu-me bastante. A grande diferença para o futebol português e europeu é mais a nível tático. As equipas que são treinadas por treinadores chineses a nível tático jogam mais homem a homem, mas nas equipas com treinadores europeus [ou experiência na Europa], que já há muitos, vê-se trabalho igual ao que se faz na Europa.»

Kléber corrobora a teoria do médio português e alerta para uma coisa: «Muitas pessoas que não conhecem os jogadores e o futebol chinês por vezes acham que é tecnicamente inferior, mas enganam-se. São muito bons tecnicamente, mas pecam muito nos aspectos táticos.»

E continuou, referindo que os treinadores que chegam da Europa como Scolari, Zaccheroni, Sven-Goran Eriksson ou Wanderlei Luxemburgo vão fazer com que os técnicos e jogadores locais evoluam.

«É sempre um ponto positivo o facto do treinador ser europeu. De uma forma ou de outra, ele tenta adaptar algumas mentalidades europeias nos chineses e isso acaba por facilitar em muitos aspectos. No ano passado, por exemplo o nosso treinador era espanhol [Gregorio Manzano] e este ano é italiano [Alberto Zaccheroni] e ambos treinaram principais equipas da Europa.»

Kléber define que o futebol chinês irá «evoluir muito bem» nos próximos três ou quatro anos, Rúben Micael vai até mais longe, caso o país comece a desenvolver o seu principal defeito.

«Eles têm um problema grave que é não ter formação. Agora, o presidente chinês obriga que em todas as escolas os miúdos pratiquem futebol, mas isso só não basta. Acho que os clubes deveriam investir porque a maior parte não tem formação e isso é mau. É preciso formação para poder evoluir, para aprender o que é uma receção, o que é fazer um passe, o que é fazer um-dois e isso aprende-se na formação. Infelizmente há muitos clubes que não têm isso, o Figo tem escolas em sete cidades, mas isso é pouco. A minha cidade, que é uma cidade pequena, tem seis ou sete milhões de pessoas. Se eles se organizarem desde a formação eu não tenho dúvidas que nos próximos 10/15 anos vão ser uma potência muito forte a nível mundial.»

Mesmo assim, Micael elogia o jogador chinês, referindo que «é humilde e quer aprender»: «Quando assim é, tudo fica mais fácil.»

«A paixão que os chineses têm pelo futebol é uma coisa incrível»

Este sonho de ver o campeonato chinês ser uma potência teve iniciativa do presidente do país, um apaixonado pela modalidade, que desafiou os grandes empresários a desenvolver o futebol local, quer através da construção de academias de futebol, quer através do reforço das equipas.

O pedido foi aceite e os milhões investidos, sobretudo neste mercado, não param de aumentar. Jackson Martínez, Alex Teixeira, Luís Fabiano, Burak Yilmaz, Guarín, Ramires, Fredy Montero, Ricardo Goulart, Renato Augusto, Ralf são nomes de uma lista que não para de crescer e que até ao fecho do mercado na China (a 25 de fevereiro) ainda deve aumentar.

São jogadores que rumam a este campeonato em idades que seriam expectáveis que continuassem na Europa, já que são referências e eram de enorme valia para os seus antigos clubes. Confrontado com este fator, Rúben Micael salienta que a Liga chinesa nada tem a ver com a norte-americana ou indiana, onde os jogadores vão para terminar a carreira.

«É diferente. A maior parte dos jogadores [que chega à China] têm à volta de 28 e 29 anos e com 29 anos não estás a acabar a carreira. Depois o campeonato chinês está a crescer de uma maneira muito grande e não há comparação nenhuma em jogar no campeonato chinês, em que a qualidade começa a ser grande, ou jogar na Índia ou nos Estados Unidos. Lembrem-se que no Mundial de Clubes quem defrontou o Barcelona foi o Guangzhou, do Scolari», destacou.

O presidente quis, os empresários alinharam na ideia e a população chinesa agradeceu, já que é «louca» por futebol, dizem os dois jogadores.

«O nosso estádio tem capacidade para pouco mais de 30 mil pessoas e está sempre cheio. Se jogarmos ao sábado, à quarta-feira há fotos que o clube costuma colocar na internet de pessoas a passar a noite para tirar bilhete. É óbvio que não é assim em todos os estádios, mas 80 por cento deles estão sempre cheios», disse Rúben Micael.

Este foi um dos aspetos que surpreendeu pela positiva o português que «não estava à espera de encontrar os estádios completamente cheios»: «A paixão que eles têm pelo futebol é uma coisa incrível.»

Na rua não é muito diferente do que acontece na Europa e em Portugal. São abordados, pedem para tirar fotos, autógrafos, «mas não ficam ali a chatear e como nós não percebemos muito a língua deles, é pouco tempo (risos)», explica o médio.

Todos estes ingredientes (investimento, formação, adeptos) em simultâneo vão fazer crescer o futebol chinês e sobretudo estas últimas contratações serão um passo decisivo para que no curto prazo exista evolução.

Rúben Micael vê com bons olhos estas chegadas e deixa um desejo: «É óbvio que vêm dar uma qualidade ao campeonato muito grande e espero que possam chegar jogadores ainda com mais qualidade, que para os chineses seria muito bom.»

Kléber está a gostar de ver as movimentações do mercado, sobretudo as do seu clube, ao qual chegaram os brasileiros Ralf e Renato Augusto: «O facto de ter este ano colegas brasileiros é sem dúvida um factor muito motivador, uma vez que podemos partilhar dificuldades e falar a mesma língua, amenizando as saudades que tenho da minha Terra Natal.»

A liga chinesa arranca no próximo mês e o ano do Dragão promete ser de muito e bom futebol. Será que valerá a pena fazer noitadas para ver Jackson, Guarín, Ramires e companhia? Rúben Micael e Kléber dizem que sim.