Franceses e espanhóis viveram por dentro as emoções de um jogo arbitrado com apoio vídeo. Um encontro entre aqueles dois vizinhos é sempre um jogo de alto calibre no calendário internacional, seja ele particular ou não. O currículo das duas seleções e a presença de alguns dos melhores executantes do mundo assim o torna.

O França-Espanha ficou, porém, marcado pelas decisões invertidas pelo juiz da partida. Corretamente. Nisso não houve discórdia. Nem entre jogadores, nem entre quem assistiu.

O que, portanto, eleva a preocupação sobre o sistema para outro nível: a perda de tempo. 

«Emocionalmente, é complicado. Esperámos dois ou três minutos. É contranatura do jogo. É um bom sistema, mas deve ser desenvolvido para que seja mais rápido», Corentin Tolisso, internacional francês, in LEquipe

Essa preocupação é partilhada com a modalidade pioneira no recurso ao vídeo-árbitro. Os americanos usam o replay desde 1985 e adotaram-no permanentemente desde 2007 no futebol deles.

Nesta semana, aprovaram medidas para diminuir o tempo de resposta e deixar o jogo fluir.

O International Board do nosso futebol reconheceu o problema e entre dezembro e março parece ter havido melhorias.

Os testes com o vídeo-árbitro tiveram impacto no final de 2016. No Mundial de Clubes, a decisão de Viktor Kassai no Atlético Nacional-Kashima Antlers correu mundo.

Uma série de dúvidas levantaram-se sobre o episódio, mas foi praticamente unânime que os quase dois minutos que o húngaro demorou até uma decisão final foram demasiados.

Ora, nesse aspeto, o França-Espanha demonstrou que nem sempre a espera é tão longa.

O diretor técnico do International Board, David Elleray, passou em Lisboa na semana passada, foi entrevistado pelo Maisfutebol e admitiu a preocupação com o tempo. Não só na entrevista ao nosso jornal, como também na intervenção que teve nas Football Talks.

«O público já fica irritado se um lesionado demorar mais de um minuto a sair. O futebol não quer tornar-se num jogo de pára-arranca. Temos de ter um equilíbrio.», David Elleray, in Maisfutebol

É por isso que foram impostos limites aos lances que o vídeo-árbitro vai analisar: golos, penáltis (assinalados ou por marcar) e cartões vermelhos diretos (casos em que o jogador errado recebe cartão também São incluídos).

Como Elleray disse, o fora de jogo ficou excluído. Só é considerado em caso de golo.

A delimitação de tipo de jogadas analisáveis é uma medida que os americanos impuseram na NFL, o futebol deles.

Nesta semana, houve uma proposta para se alargar o vídeo-árbitro a mais tipo de lances, algo que a liga de futebol americano rejeitou liminarmente porque isso iria provocar mais interrupções no jogo.

Neste aspeto, futebol e futebol americano parecem estar de acordo.

Quem vê o lance? Quem pede o recurso ao vídeo?

As jogadas do França-Espanha foram decididas em 40 segundos. Uma diminuição substancial aos dois minutos que Viktor Kassai usou no Mundial de Clubes.

A primeira diferença percetível entre Kassai e o juiz alemão Felix Zwayer é que o primeiro analisou a jogada em questão.

O húngaro deslocou-se até à linha lateral, junto ao meio-campo, oposta aos bancos, como recomenda o International Board. Depois, visualizou o lance…

Doze segundos depois de ter começado a analisá-lo indicou penálti. O problema, portanto, esteve no desperdício de tempo anterior.

O juiz que estava na cabine poderia ter dúvidas quanto ao caso e, daí, Kassai foi ver pelos próprios olhos.

Em Lisboa, Elleray explicou que a decisão final é sempre do árbitro em campo.

Um parêntesis aqui para dizer que os americanos pensam de modo diferente.

Numa tentativa de reduzir a demora, as equipas da NFL aprovaram por unanimidade que a decisão final de vídeo passa a ser do responsável pela arbitragem.

Dean Blandino ficará no game-centre, verá tudo e, para poupar segundos, decidirá. Ou seja, a comunicação para o árbitro em campo é para lhe dar conta de uma decisão final e não de uma troca de argumentos.

O correspondente a isto seria Pierluigi Collina a decidir na sede da UEFA ou Fontelas Gomes na sede da Federação Portuguesa de Futebol.

Analise-se, então, os casos no França-Espanha. Felix Zwayer confiou no assistente que estava com o replay e alterou duas decisões erradas em certas. Por que é que o fez? Porque pode.

David Elleray sublinhou que o juiz de campo só terá de rever as jogadas por ele próprio se assim o entender. O que significa que isso acontece em caso de alguma insegurança de quem está a analisar as imagens.

Em Paris, como foram duas jogadas que resultaram em golo, os lances foram revistos com obrigatoriedade pela arbitragem. No caso de Kassai não.

O húngaro foi instigado a analisar o que se passou numa jogada anterior pelo juiz de vídeo. A bola, porém, continuou a rolar durante algum tempo, sem que o árbitro determinasse uma interrupção, até ela sair pela linha lateral.

Na intervenção no auditório do Estoril, o diretor do International Board frisou que, em situações semelhantes, para não haver perda do timing da jogada, o árbitro de campo «tem de parar o jogo quando a bola está numa zona neutra».

Reveja o vídeo: Kassai podia tê-lo feito por volta dos 15 segundos, quando a equipa de branco, o Kashima Antlers, recuperou a bola…

Entre dezembro de 2016 e março de 2017, esta foi uma evolução que o International Board aplicou. Caso tivesse já esta recomendação, Kassai teria interrompido a partida mais cedo e os dois minutos entre o lance e a decisão seriam menores.

Se agora está a perguntar-se «e se o Atlético Nacional contra-atacasse e marcasse golo», a resposta é dada por Elleray.

«Temos de estar conscientes de que haverá alturas em que algo acontece numa área e um golo é marcado na outra. E depois voltamos atrás! Esse é o desafio!»

Refira-se que, nestes casos, tanto o árbitro ou o assistente pode suspeitar de algo e, assim, pedir a revisão e a interrupção do jogo.

Acrescente-se que, ao contrário de outras modalidades, os treinadores e as equipas não podem pedir revisões. Isso aumentaria o número interrupções.

Já quanto ao tempo de demora destas, parece estar entre 40 segundos e um minuto…

É tempo a mais? Questionado sobre isto, Elleray argumentou com o Brasil-Peru, que não tinha apoio vídeo. «O árbitro só validou o golo ao fim de cinco minutos e, se tivesse apoio do vídeo-árbitro tinha resolvido a situação em 45 segundos.»

Sublinhe-se que o árbitro validou…mal.

A introdução do vídeo-árbitro parece ser cada vez mais uma realidade, a julgar pelas declarações do antigo juiz na zona mista das Football Talks.

Faltará perceber quanto tempo, em média, se perderá de cada vez que há revisão de um lance.

E como as emoções passarão a ser geridas.