Na confusão de fumo e nevoeiro, na troca de provocações entre adeptos rivais separados apenas pela distância de um relvado e de uma pista sintética, Nuno Gomes poderia ter sido o herói, idolatrado por uma minoria que não atingia os dois milhares. Bastava que a sorte, a bola e o poste assim quisessem. Os dois últimos, possivelmente malcomunados, disseram-lhe que não, que não ergueria os braços, já a meio caminho do céu, quando Pagliuca estava prostrado no chão, enganado na finta. O inevitável Leandro só conseguiu o empate. Pela primeira vez, na marca de grande penalidade. Em Bolonha, a Fiorentina recompunha-se da derrota em casa, frente ao Perugia, e Terim podia dormir descansado. 

Corria o terceiro minuto e Nuno Gomes com ele. Signori já havia esbanjado, a dois palmos do nariz de Toldo. Repka, na resposta, procurava o português, surgido do meio de dois centrais. Apercebeu-se da saída do guarda-redes. Dominou no peito e rematou lento e colocado, fora do alcance das luvas. Demasiado colocado. A bola esbarrou no poste. 

Não podia acreditar. Nem podia desistir. Depois de olhar o relvado e de reposto o cabelo atrás da orelha, Nuno voltava a correr, sempre com Castellini a seguir-lhe os passos e a vigiar-lhe os gestos. Mais do que isso, a intimidá-lo em faltas subterrâneas, de que o português se queixaria, debalde, ao árbitro, mostrando-lhe as pernas marcadas e a camisola esgaçada. 

Leandro, menos perceptível, seguro de que haverá sempre um momento em cada jogo que será exclusivamente seu, procurava a discrição e encontrava-a em corridas moderadas e inconsequentes. Dava a sensação de se poupar, quando um erro de Pagliuca lhe abriu, ao longe, a baliza do Bolonha. Sem tempo para o cálculo, falhou o chapéu. 

Nuno voltava ao jogo. Tirava dois adversários do caminho num único toque, mas chegava à bola depois de Pagliuca. Na outra extremidade do relvado, Signori arriscava um pontapé de bicicleta. A acrobacia valer-lhe-ia a substituição, muitos minutos mais tarde, incapaz de resistir à dor. Outra vez Nuno, a conduzir o perigo na falta de Rui Costa, suspenso e na bancada, depois de umas quantas palavras ao árbitro no túnel de Florença. Falcone já vira a bola escapar, Castellini já não estava por perto. Nem pensou duas vezes. Tinha que derrubar o português, que a grande área ainda estava a uns cinco metros. 

A Fiorentina do contestado Terim parecia ter o jogo na mão. Dominava, ainda que sem o brilho que Rui Costa sempre empresta à equipa. Cruz, avançado argentino, um velho conhecido do Boavista, não podia limitar-se a assistir. Sozinho, trocou as voltas à defesa de Florença e escolheu o lado. Em dois minutos, depois do aplauso, «Batigol» ecoava no estádio pela boca dos bolonheses.  

Leandro interpretou a provocação à letra, ressurgia num cruzamento de Nuno Gomes, prensado por dois centrais, mas conquistando o direito ao canto, que, na falta de candidatos, o português foi obrigado a cobrar. Nada resultaria da transformação, mesmo porque Nuno não podia executar o pontapé e correr para a área a emendá-lo. Estranho. 

Correu, um pouco depois, Leandro. Driblando, atingindo a área bolonhesa e caindo. Presumivelmente, derrubado por Bia. O árbitro, sem dúvidas, ordenou a grande penalidade, que o brasileiro transformou, convidando Pagliuca a escolher o lado errado. O inevitável Leandro, o mesmo que preferiu a Fiorentina ao F.C. Porto, o tal clube com que sempre sonhara, voltava a marcar. Cinco jogos, cinco golos. De uma eficácia só comparável a Pena. 

Mesmo sem Repka, expulso a dois minutos do fim, o empate já não escapava à Fiorentina. Terim, o treinador turco, podia descansar por mais uma semana, em que iria lembrar repetidamente aquele pontapé de Nuno Gomes que esbarrou caprichosamente no poste. 

Ficha do jogo 

Estádio Renato Dall¿Ara, em Bolonha.

Árbitro: Paparesta

BOLONHA - Pagliuca; Falcone, Bia, Castellini e Wome; Olive; Nervo e Lima; Oliveira (Binoto, 70m); Signori (Locatelli, 56m) e Cruz.

Treinador: Francesco Guidolin

Disciplina: cartão amarelo a Olive (30m), Falcone (31m) e Cruz (85m)

FIORENTINA - Toldo; Repka, Lassissi, Pierini, Vanoli; Amoroso; Rossi (Bressan, 74m), Cois e Di Livio (Torriceli, 79m); Nuno Gomes e Leandro.

Treinador: Fatih Terim

Disciplina: cartão amarelo a Rossi (78m), Di Livio (79m) e Repka (66 e 88m); cartão vermelho a Repka (88m)

Ao intervalo: 1-0

Marcadores: 1-0, Cruz (38m); 1-1, Leandro (62m, g.p.)