Halil Dincdag é árbitro e só quer que o deixem voltar a apitar. É por isso que estará nesta sexta-feira em tribunal, pela 14ª vez, mais um passo no longo processo que o opõe à Federação turca de futebol. Halil Dincdag é homossexual, o que vem ao caso porque está no centro da questão. Ele diz que foi afastado por causa da sua opção sexual, a qual para os responsáveis do futebol turco é uma «razão médica».

Dincdag, 38 anos, iniciou a sua carreira de árbitro em Trabzon e chegou à segunda divisão turca. Até que em 2008 foi chamado para cumprir o serviço militar. Tendo ouvido relatos de como os homossexuais eram tratados no exército, relatos de abusos, violações e até suicídios, resolveu assumir-se perante os médicos.

São recorrentes as denúncias de organizações de direitos humanos sobre o tratamento a homossexuais no exército turco, onde não são admitidos se assumirem a sua condição. Dincdag pensou que, se expusesse a sua situação, iria evitar problemas. Foi submetido a exames durante semanas, num hospital militar ao lado de doentes psiquiátricos, relata a agência alemã DPA. Ao fim de três meses mandaram-no embora, com um diagnóstico: «Perturbação psicosexual.»

Pouco depois, a Federação turca recusou renovar a sua licença de árbitro. Quando Dincdag contestou a decisão, a sua história começou a aparecer na imprensa. Ou melhor, apareceram histórias sobre um árbitro gay, primeiro sob anonimato, depois com a publicação das suas iniciais.

Foi nessa altura que decidiu que estava na hora de acabar com os segredos. Assumiu a sua homossexualidade publicamente, na televisão. Não foi fácil. Ao longo deste processo, Dincdag perdeu também o emprego como comentador de rádio. E tem tido sucessivas dificuldades em arranjar trabalho, vendo muitas candidaturas rejeitadas.

Em 2011 avançou com um processo contra a Federação turca, reclamando a sua reintegração no quadro de árbitros e também a compensação por danos. A defesa das instituições federativas é o diagnóstico que lhe foi feito no exército.

«Pessoas que tenham ficado isentas do serviço militar por razões de saúde não podem ser nomeadas como árbitros», argumenta a Federação, numa resposta ao tribunal que foi reproduzida pelo site Bianet.org.

Dincdag mudou-se para a capital turca, Istambul. Voltou a apitar, oficiosamente, a convite da Gazoz Ligi, um campeonato alternativo amador.



Quanto ao seu caso, arrasta-se em tribunal. Antes de mais uma audiência, Dincdag esteve na Alemanha, onde recebeu uma distinção, um prémio de «Respeito» que lhe foi atribuído pela Aliança Contra a Homofobia. Foi-lhe entregue pelo presidente da Câmara de Berlim, Klaus Wowereit, também homossexual e uma referência da luta contra a homofobia na Alemanha. Dedicou-o à mãe, que faleceu no ano passado.
 


«Já não tenho medo. Pior não podia ser», diz hoje Dincdag, a recordar o calvário que foram aqueles anos. Agora, vive bem consigo próprio. É o que importa, diz. «Até há cinco anos tinha uma montanha sobre os ombros. Hoje, sinto-me livre como um pássaro», disse à DPA, contando que teve o apoio da família e de amigos, e que espera ajudar com o seu exemplo quem esteja a passar por algo semelhante.