Joel Pereira vive uma fase particularmente importante da carreira. Há um par de semanas renovou contrato com o Manchester United e agora foi chamado por Rui Jorge à seleção sub-21: uma estreia para este jovem de 19 anos nascido na Suíça.
 
O guarda-redes diz que não estava à espera, até porque é do escalão abaixo, mas quer agarrar o lugar. Numa longa entrevista, repassa toda a vida e apresenta-se ao público português: do Centro de Formação da seleção suíça à amizade com De Gea e Valdés.
 
 
Tem noção que existe uma grande curiosidade à volta do guarda-redes português do Manchester United que pouca gente conhece?
Honestamente não. Não faço ideia do que se passa em Portugal e não sei como as pessoas me veem. Sei que na minha vila toda a gente me conhece. Os outros, os que não me conhecem, vão ter oportunidade de me ver um dia.
 
Como é que se apresenta a esses que o conhecem menos bem?
Sou um português nascido na Suíça que escolheu jogar pela seleção de Portugal e que cada vez que entra em campo dá o melhor pelas cores de Portugal.
 
Nasceu na Suíça e sente-se cem por cento português, é isso?
Sim, eu nasci na Suíça, mas os meus pais são portugueses, falamos sempre em português, a minha mãe só cozinha comida portuguesa, por isso sou totalmente português, entende?
 
Sim, entendo. Imagino que as férias de agosto costumassem ser em Portugal...
Sempre, sempre. Desde que nasci que as férias são sempre em Cabeceiras de Basto, junto da minha família inteira. Às vezes também no natal. Mas agosto é sempre lá, com todos os meus tios, os meus primos, a família inteira.


 
Quando chegava a Portugal sentia que era aqui a sua casa, ou nem tanto?
Sentia, sentia, claro que sim. Bastava estar com os meus primos todos para ser uma alegria. Crescemos juntos, a brincar na nossa casa de família. São ótimas recordações.
 
Continua a viajar para Portugal nas férias?
Continuo. Nas férias e sempre que posso.
 
Imagino que quando chegue a Cabeceiras as pessoas o reconheçam na rua...
Sim, conhecem. Mesmo aquelas que me conhecem menos bem, sabem que a pessoa que vai ali é o rapaz da vila que joga no Manchester United.
 
Por falar em Manchester United, como é que o futebol surgiu na sua vida?

Surgiu como acontece com todos os miúdos. Desde que nasci que jogo futebol, lá na Suíça. Quando fiz cinco anos os meus pais meteram-me no clube de Le Locle. Comecei a jogar a defesa, depois passei a médio, depois fui avançado e acabei na baliza.
 
Como aconteceu isso?
Foi uma vez, ainda no Le Locle, estávamos a fazer duas equipas e eu fui escolhido logo para a primeira. O treinador juntou-nos e disse que precisávamos de um guarda-redes. Eu levantei a mão e assim aconteceu.
 
E por que levantou a mão?
Porque já gostava de ir à baliza. Costumava jogar no parque perto de minha casa com rapazes mais velhos e quando se joga com mais velhos somos obrigados a ir à baliza. Comecei a gostar, sentia-me bem na baliza e sentia que era a escolha certa.
 
Depois seguiu-se o Neuchatel Xamax?
Foram quatros anos no Neuchatel.
 
E depois?
Depois, quando tinha 15 anos, fiz um jogo pela seleção da Suíça, estava lá um olheiro do Manchester United a ver o jogo e chamou-me. Fui logo.


 
Fez uma semana à experiência, não foi?
Não foi bem uma semana à experiência. Fui lá fazer uma semana de treinos para ver se gostava do clube, da casa de acolhimento e se me adaptava à mudança. Depois ofereceram-me contrato e resolvi ficar.
 
Não foi difícil deixar a família, os pais e mudar de país?
É sempre difícil, claro, mas eu já estava habituado. Desde os 14 anos que estava sozinho, vivia num centro de formação da seleção suíça, integrado num programa para talentos. Estava lá de segunda a sexta-feira, ao fim de semana ia a casa e jogava pelo Neuchatel. Por isso já estava habituado a viver sem os pais.
 
Ainda há essa: representou a seleção da Suíça e depois mudou para a seleção portuguesa...
Tenho muito respeito pela seleção suíça e por tudo o que fizeram por mim, mas representar a seleção de Portugal sempre foi o meu sonho. Desde criança. Era o meu sonho e por isso segui o meu coração.
 
O convite da seleção de Portugal surgiu ainda quando estava no Neuchatel, certo?
Não, já estava no Manchester United. Tinha acabado de chegar.
 
Como apareceu esse convite?
Ligaram-me, perguntaram-se se queria representar Portugal e se queria ser chamado a um estágio. Disse que sim, claro, fiz o estágio e no final joguei o meu primeiro jogo. Em julho fui para o Manchester e em agosto fiz a minha primeira internacionalização.
 
Voltando ao Manchester United: como foi viver com uma família de acolhimento?
Fiquei só no primeiro ano. Estava a viver nessa família de acolhimento com o Andreas Pereira, um brasileiro da minha equipa. Depois os pais dele vieram para Inglaterra e ficamos a viver todos numa casa. Por isso só estive um ano na família de acolhimento, depois vivi dois anos com a família do Andreas.
 
É estranho para um jovem cair na casa de uma família de acolhimento totalmente estranha?
Eu já na Suíça, quando estava no Centro de Formação, vivia com uma família de acolhimento. Já estava habituado.
 
Mesmo assim deve ser estranho...
Sim, é estranho viver na casa de pessoas que não se conhece, mas aqui isso é normal. Todos os clubes fazem isso com os jovens. Não é como viver com os meus pais, obviamente, mas tive sorte, sempre me trataram muito bem. Era um casal já mais velho, que tinha filhos mas já tinham saído de casa. No fundo a família de acolhimento só trata da dormida e do jantar, tudo o resto é o clube que trata: as refeições, os treinos, há uma escola só para os jogadores. Por isso acaba por ser normal.
 
Calculo que tudo isso o tenha feito crescer mais depressa...
Sem dúvida. Fez-me ficar adulto, está a perceber? Em Manchester cresci como homem e como jogador. Fizeram-me evoluir muito. Confiam muito em mim e ainda agora me ofereceram um novo contrato. Isso só mostra que o Manchester United acredita em mim. Já costumo treinar várias vezes com a equipa principal e quero fixar-me no plantel.
 
Como é treinar com aquelas estrelas todas?
É bom, eles tratam-me bem. Também já me conhecem. Geralmente estou mais perto do guarda-redes e dou-me melhor com o David De Gea e com o Victor Valdés. São pessoas com muita experiência e aprendo sempre que estou com eles. Quando veem que posso fazer melhor, eles dizem-me como fazer, quando faço bem, incentivam-me. É bom.


 
Eles não intimidam?
Não, nada, são muito porreiros. Também é mais fácil porque sou amigo deles. Mesmo fora dos treinos estou muito com eles. O português e o espanhol são parecidos, por isso dá para falarmos bem e tornámo-nos amigos. Andamos muitas vezes juntos, mais o Andreas, o Mata, o Herrera, o Valencia, enfim, os que falamos português e espanhol.
 
Por falar em grandes estrelas, o Manchester United teve uma acima de todos: Alex Ferguson...
Sim, sem dúvida. Era incrível estar com ele e trabalhar com ele também foi incrível.
 
Como era enquanto pessoa?
Era o Boss, como lhe chamávamos aqui. Isso diz tudo.
 
Como foi o primeiro treino com ele?
Foi um sonho. Até me custava a acreditar. Conhecia-o da televisão, claro, por isso tê-lo à minha frente, ouvir ordens dele, treinar com ele e tentar mostrar-me a ele, era incrível.
 
As mãos não tremiam ao cumprimenta-lo?
A primeira vez que eu o vi foi no refeitório e nessa altura fiquei mais surpreendido do que outra coisa: tinha chegado da Suíça e ver o Ferguson à minha frente parecia mentira. Mas ele era assim, mandava em tudo, controlava tudo. Desde a equipa principal às equipas de formação, ele sabia tudo o que se passava. Por isso muitas vezes almoçava ao nosso lado.
 
Com o Van Gaal é diferente?
O Van Gaal agora é o chefe e também o respeito muito.
 
O seu sonho é representar o Manchester United, calculo...?
Sim, claro. Espero ficar aqui muitos anos. Renovei agora contrato e sonho jogar pela equipa principal. É esse o meu objetivo.
 
E se um dia aparecesse uma proposta de um clube português?

Acabei de renovar com o Manchester United, por isso não penso em outras propostas. Quero o melhor para a minha carreira e o melhor para a minha carreira é o Manchester United. Espero poder ficar aqui muitos anos. É um dos maiores clubes do mundo.