Um dia, quando falarem aos netos, jogadores, técnicos, diretores e até adeptos do Leicester poderão, sem que ninguém os censure, começar a contar a história da conquista da Premier League 2015/16 com um «Era uma vez…».

Mesmo sendo bem real, a epopeia do Leicester tem todas as características de um conto de fadas. Ultrapassar todas as probabilidades e triunfar sobre os maiores e mais ricos. Naturalmente, por todo o mundo, o Leicester ganhou adeptos. Não por ser, especificamente, o Leicester, mas pelo que o seu triunfo simboliza. Para o adepto que se apaixonou por esta história, pese alguns ingredientes específicos como o «eterno derrotado» Claudio Ranieri no banco, o foco não é o Leicester, mas o que ele simboliza.

Apesar disso, a conquista dos «Foxes» salta para um dos lugares mais altos das mais improváveis conquistas da história do futebol. Para uns será mesmo a mais incrível de sempre, para outros haverá outra ainda mais memorável.

O Maisfutebol reuniu algumas das histórias mais improváveis da história do futebol no que a campeões diz respeito. Enquadrar o feito do Leicester fica ao critério de cada um. Haverá, certamente, opiniões para todos os gostos, mas uma trave mestra: é uma das mais incríveis páginas alguma vez escritas neste desporto.

Inglaterra: antes do Leicester foi o Blackburn Rovers

O campeonato inglês é uma das competições mais antigas do mundo, mas a Premier League vai, apenas, na 24ª edição. Criada em 1992/93, em 22 das tais 24 edições, o principal campeonato inglês foi para as mãos de um grupo restrito de quatro clubes: Manchester United, Manchester City, Arsenal e Chelsea. Sim, o histórico Liverpool nunca venceu a Premier League.

Além do Leicester, então, a outra equipa que inscreveu o seu nome na lista de vencedores foi o Blackburn Rovers. Aconteceu na temporada 1994/95, num feito parecido com o que os homens de Claudio Ranieri agora conseguiram.

Em 1991/92, o Blackburn subiu, então, à recém-criada Premier League, sob o comando de Kenny Dalglish, que seria o timoneiro do terceiro título inglês da história do clube. Para se ter uma ideia, os anteriores aconteceram na década de 10!

Alan Shearer, melhor marcador dessa temporada, foi a grande figura de uma equipa que tinha ainda homens como Graeme Le Saux , David Batty ou Tim Sherwood. Apesar disso, estava longe, muito longe, de ser um favorito ao título, ganho com um ponto de vantagem sobre o Manchester United e com uma derrota em Liverpool na derradeira jornada: o rival não foi além de uma igualdade frente ao West Ham.

Ainda na mesma década, de resto, mas antes da criação da Premier League, também o Leeds United foi um campeão improvável, conquistando a Liga de 1991/92, a última nos moldes antigos.

Também dois anos antes da conquista, o Leeds estava no segundo escalão inglês, mas triunfaria sob alçada de Howard Wilkinson, também em disputa com o Manchester United, mas agora com quatro pontos à maior, depois de ganhar o título com um triunfo na casa do Sheffield United, na penúltima ronda.

Eric Cantona, Gary McAllister, Gordon Strachan, Gary Speed e…David Batty (sim, outra vez) eram algumas das figuras.

Terminamos o périplo pela Liga inglesa com um recuo ao final dos anos 70. Porque o Nottingham Forest assim o obriga. A única equipa no mundo com mais títulos europeus (2) do que nacionais (1) surpreendeu Inglaterra e a Europa do futebol ao vencer o campeonato de 1978 e, seguidamente, duas Taças dos Campeões Europeus de forma consecutiva!

Brian Clough, o treinador, falecido em 2004, foi o grande obreiro do feito, impensável para uma equipa que tinha subido precisamente nesse ano ao principal escalão do futebol inglês.

Itália: Hellas Verona surpreende favoritos

Em 1982/83, o Hellas Verona subiu à principal Liga italiana e terminou essa temporada num sensacional quarto lugar. Que feito para uma equipa pequena embora com tradição no futebol transalpino, não é? Afinal, na época anterior a essa, esteve quase a cair para o terceiro escalão…

Mas ninguém se lembra desse ano quando se fala no clube porque, dois anos depois, o emblema de Verona tocou o céu ao sagrar-se, pela primeira e única vez na sua história, campeão italiano.

Treinados por Osvaldo Bagnoli, cujo único título da carreira tinha sido precisamente o da Série B com o Hellas Verona (mais tarde ganharia a Taça UEFA com o Inter de Milão), bateram os favoritos Juventus, Milan e Inter e apenas sofreram duas derrotas em toda a época, naquele que, na altura, era visto como o melhor campeonato da Europa.

A equipa não tinha grandes estrelas, sendo o mais conhecido, provavelmente, o dinamarquês Elkjaer Larsen, além de Giuseppe Galderisi, que aos portugueses é mais familiar pela passagem pelo banco da Olhanense há um par de anos.

Ainda em Itália, já depois das conquistas do Nápoles de Maradona, em 1991, ano em que o Hellas Verona já não competiu na Liga pois descera de escalão na época anterior, mais um campeão inédito e surpreendente: a Sampdória.

Terminando a Liga com mais cinco pontos que os dois rivais de Milão e com apenas três derrotas em 34 jogos, a equipa de Vujadin Boskov dominou a toda a linha nessa época e conquistou aquele que é, ainda hoje, o único campeonato nacional do seu pecúlio.

Ao contrário do Hellas Verona, porém, estava recheado de estrelas. Consagradas ou em potência. Veja-se a lista: Pagliuca, Vialli, Lombardo, Toninho Cerezo, Mykhaylychenko ou Roberto Mancini que, curiosamente, encerrou a sua carreira como jogador…no Leicester.

Alemanha: o Kaiserslautern de Rehhagel e o Wolfsburgo de Magath

O último campeão estreante da Bundesliga não tem muitos anos, mas parece que foi noutra vida. Em 2008/09, o Wolfsburgo surpreendeu os favoritos, nomeadamente o Bayern Munique, equipa mais dominadora da Liga, ao conquistar o seu primeiro e, até ver, único campeonato.

Orientado por Felix Magath, o Wolfsburgo teve o melhor ataque e a segunda melhor defesa da Liga, batendo o Bayern por dois pontos. Nas suas fileiras estava o português Ricardo Costa, além do ex-Nacional Diego Benaglio, o ex-Belenenses Rodrigo Alvim e estrelas como o brasileiro Grafite ou o bósnio Edin Dzeko.

Antes do Wolfsburgo, o campeão mais surpreendente na Alemanha tinha sido o Kaiserslautern de 1998. Não pela ausência de historial (foi o quarto título nacional ganho), mas porque conseguiu-o um ano após ter subido ao primeiro escalão! O obreiro foi um tal de Otto Rehhagel que Portugal viria a conhecer ainda melhor, amargamente, uns anos mais tarde. E por lá andava um tal de Michael Ballack...

A festa do Kaiserslautern

França: entre hegemonias, as surpresas

Antes do domínio atual do Paris Saint-Germain e depois dos sete títulos seguidos do Lyon, a Liga francesa ficou, um pouco, sem dono. Em quatro anos, quatro campeões diferentes. E se Bordéus (2009) e Marselha (2010) são crónicos candidatos aos lugares cimeiros, os feitos do Lille em 2011 e, sobretudo, do Montpellier no ano seguinte merecem todo o destaque.

O Lille já tinha sido campeão quatro vezes, mas a última remontava à década de 50. Em 2011, porém, dominou por completo a Liga francesa e venceu-a com mais oito pontos do que o segundo classificado, o Marselha.

Foi, até hoje, o único campeonato ganho por Rudi Garcia, contratado pela AS Roma em 2013 e atualmente sem clube. Cabaye, Obraniak e, sobretudo, Eden Hazard eram as grandes figuras da equipa.

No ano seguinte, a surpresa foi ainda maior. O Montpellier, que nunca tinha conquistado qualquer campeonato, impediu que o já milionário Paris Saint-Germain começasse a instalar-se no trono que agora ocupa.

O treinador era René Girard, também ele sem qualquer título ganho até então. O plantel não tinha, nem de perto nem de longe, as estrelas do rival da capital, mas tinha um Olivier Giroud na melhor época da carreira, com 25 golos marcados.

Espanha e Portugal: meias surpresas apenas…

Dos principais campeonatos europeus, aqueles que menos surpresas têm registado são o espanhol e o português.

Aqui ao lado, o principal feito dos tempos modernos será o do Deportivo de Javier Irureta, que bateu os crónicos candidatos Barcelona e Real Madrid (mais o Valência, na altura) para vencer a Liga de 2000.

Só não colocamos o feito ao nível do Leicester porque a equipa da Corunha já vinha a «ameaçar» o título há alguns anos. Tal como o Boavista campeão em Portugal no ano seguinte, quebrando a histórica hegemonia dos três grandes, mas também como auge de um crescimento sustentado que já tinha levado o clube a um vice-campeonato dois anos antes, à conquista de outros troféus internos e a boas prestações nas provas europeias.

O título de 2001 foi o ponto alto do Boavistão

Nos chamados campeonatos periféricos há também alguns casos a salientar. O ano de 2010, por exemplo, foi especial na Holanda, com o primeiro título do Twente, tal como na Turquia onde o Bursaspor se impôs aos emblemas da capital.

Na Bélgica o campeão mais surpreendente dos últimos anos, além do Gent na temporada passada, foi o Lierse em 1997, enquanto na Escócia é preciso recuar a 1983 para encontrar um campeão surpreendente: foi o Dundee United, que nunca antes havia conquistado o título. E nunca mais o repetiu.

Na Ucrânia, desde a criação da Liga local, em 1992, apenas três clubes a conquistaram. Os primeiros dois são de palpite fácil: Dínamo Kiev e Shakhtar Donetsk. Então e o outro? Na primeira edição de sempre, o campeonato foi ganho pelo SC Tavriya Simferopol, da Crimeia. Em 2014, após a indexação do território à Rússia, o clube foi extinto.

A viagem termina na Rússia, onde o Rubin Kazan, bicampeão em 2008 e 2009, foi a ultima grande surpresa. O projeto foi liderado por Kurban Berdyev que, este ano, procura repetir a história com o FK Rostov.

E nas seleções, há espaço para contos de fadas?

Certamente que sabe a resposta. Há, pois claro.

O que chamar à epopeia da Dinamarca, no Euro 92, quando em menos de um mês passou de equipa repescada para campeã europeia? Ou, doze anos mais tarde, àquilo que a Grécia conseguiu em Portugal, vencendo o anfitrião duas vezes e quebrando todas as probabilidades?

A feito incrível da Dinamarca em 92 perdura até hoje

O Europeu tem as suas histórias curiosas, com estas duas à cabeça, mas no Mundial a ditadura dos mais poderosos tem sido bem mais eficaz.

Em toda a história da competição, a maior surpresa será mesmo a vitória do Uruguai no Mundial de 1950, quando um empate bastava ao Brasil, no jogo decisivo, para ser, pela primeira vez, campeão do mundo. Ganharam os uruguaios e o Brasil deu, até, um nome pomposo ao que acontecera: «Maracanazzo».

De resto, mesmo que as favoritas Hungria em 54 ou Holanda em 74 tenham sido surpreendidas na final pela Alemanha, a questão já é outra e não encaixa nesta lista da revolta dos underdogs.