Passou pelo Boavista e pelo V. Guimarães enquanto jogador e, recentemente, foi adjunto de Luiz Felipe Scolari no Guangzhou Evergrande, após ter orientado emblemas de divisões secundárias no Brasil. Degrau a degrau, Paulo Turra pretende continuar a rastrear os futuros passos de «Felipão» e equaciona rumar ao campeonato português, que tanto o apaixonou.

Pendurou as botas em 2007, no Avaí, mas ser treinador de futebol foi, desde sempre, um objetivo que não removeu da mente. «Quando estava no V. Guimarães disse que se não estivesse bem como jogador tornar-me-ia treinador. Hoje, graças a deus, sou», começou por contar.

O percurso como técnico teve início em 2008, ano em que se tornou adjunto do modesto Novo Hamburgo. Terminada a temporada, rubricou contrato como treinador principal. «Comecei por baixo. Muitos pensam que, por ter sido jogador, tenho de ser, automaticamente, um bom treinador. Há sempre exceções. Foi um processo em que fui aprendendo, evoluindo na metodologia de trabalho e mantendo sempre contacto com profissionais de alto nível. Fiz um planeamento e está a correr como imaginava.»

Realizou o primeiro estágio no Avaí, em 2009. Depois, em 2010, encontrou Muricy Ramalho no Fluminense, e passado um ano, esteve com Luiz Felipe Scolari no Palmeiras. Mais tarde, já em 2013, estagiou com Tite, no Corinthians. O antigo defesa central compreende, agora toda a responsabilidade inerente ao cargo de treinador.

«Fui capitão e falava muito na defesa, mas, enquanto treinador, existem muitas outras questões com as quais tens de te preocupar. Um bom técnico tem de compreender os jogadores e encontrar um esquema tático ideal para as caraterísticas que possuem. É fundamental gerir um grupo que não se restringe apenas aos que estão dentro de campo, prestar apoio à equipa técnica e refletir sobre o tratamento que dás à imprensa, aos diretores e adeptos. Como jogador apenas te preocupas em dar o melhor para que a equipa atinja o sucesso», afirmou.

«Aquilo que treinas hoje, amanhã pode não ser o que a equipa necessita»

«O futebol está muito dinâmico, veloz e intenso. Ocorrem constantes alterações posicionais e aquilo que treinas hoje, amanhã pode não ser o que a equipa necessita. Há um processo de aprimoramento diário obrigatório, que envolve muito estudo e comprometimento», prosseguiu.

Os laços de amizade com Scolari não são propriamente recentes e a relação com o técnico que levou Portugal à final do Euro 2004 prosperou aquando da saída do jogador brasileiro do território português.

«Começámos a jogar futebol na mesma equipa [Caxias] e somos considerados a dupla ideal de todos os tempos do clube. Um ano após ter jogado em Portugal, estreitamos a nossa relação. É um profissional e uma pessoa que gosta de conversar e pedir opiniões. Recomendei-lhe jogadores, especialmente do Boavista, como o Ricardo, Frechaut, Petit, Bosingwa e o Jorge Silva, mas também o Alex, do V. Guimarães. ‘Podem levar, que são bons jogadores dentro do perfil que necessitam’, disse.»

Paulo Turra esteve constantemente em contacto com o «professor» e Flávio Murtosa quando abandonou as quatro linhas e a oportunidade de rumar ao Guangzhou Evergrande surgiu na sequência do infortúnio de outro adjunto.

«Um dos seus adjuntos, o Ivo Wortmann, teve uns problemas familiares e decidiu convidar-me. Aceitei prontamente. Deram-me muita autonomia na forma de trabalhar e fizeram-me sentir importante. Sou bastante mais jovem, mas dialogávamos e discutíamos sempre as decisões, apesar de a última palavra ser sempre do professor.»

A adaptação a uma realidade inteiramente distinta não desassossegou o técnico brasileiro, embora a língua e a gastronomia tenham colocado algumas dificuldades que, com o tempo, foram devidamente superadas.

«Morava num condomínio no centro de Guangzhou, numa área nobre, cujos residentes são, na sua maioria, estrangeiros. Eu e o Murtosa tínhamos um motorista e um carro para nós. O Felipe tinha outro para ele. O clube deu-nos todas as condições, por isso, sinceramente, não tive qualquer problema de adaptação. Logicamente, a língua e a gastronomia são diferentes…», referiu.

«Só não tivemos números melhores porque o Paulinho saiu»

Em termos desportivos, a temporada 2017 foi de sucesso: o Guangzhou Evergrande venceu o campeonato e a supertaça chinesa, alcançou as meias finais da Taça da China e atingiu os «quartos» da Liga dos Campeões da Ásia.

«Foi um ano espetacular e só não tivemos números melhores porque o Paulinho saiu em agosto. Se está a fazer a diferença agora no Barcelona, imagina lá. Também não tivemos mais sucesso na Liga dos Campeões da Ásia porque as eliminatórias realizaram-se logo após a saída dele.»

Durante a aventura na China, estreou-se inclusivamente como técnico principal, fruto da uma suspensão de Luiz Felipe Scolari e da generosidade do adjunto principal, Flávio Murtosa. «Tive a felicidade de trabalhar durante cinco jogos enquanto treinador principal. Foi uma experiência única. No jogo do título do campeonato chinês, que conquistámos, ganhámos 5-1 ao Guizhou Zhicheng, em casa. Fui eu que estive perto do relvado e ele nas arquibancadas. Disseram que já tinham uma carreira de êxito e já não tinham mais nada a provar. Deram-me essa oportunidade de orientar a equipa perto do relvado para poder amadurecer e servir de montra para mim, uma vez que tenho uma carreira pela frente.»

Impressionado pela qualidade técnica exibida nos relvados, considera que o futebol chinês está a cimentar as bases para florescer no panorama global a médio/ longo prazo e aponta a escassa visibilidade como a maior debilidade que enfrenta nos dias correntes.

«Agradou-me muito, principalmente pelo nível técnico do campeonato. Não é muito divulgado, mas os estrangeiros que lá estão, na sua maioria, são jogadores de muita qualidade: 90% dos golos da competição foram marcados por eles. Os treinadores estrangeiros possuem um grande currículo e os próprios jogadores chineses estão num interessante processo de evolução. As estruturas melhoram a cada dia. Há uma preocupação com os escalões de formação e de colocar atletas jovens nas equipas.»

«O futebol chinês, perante o mundo, não tem a credibilidade que deveria, e o fuso horário também dificulta as coisas, mas é um processo. Não é porque tem dinheiro, grandes jogadores e treinadores que, de um dia para o outro, vão estar no cenário mundial do futebol. Têm um caminho e, se o seguirem, acredito que, mais cedo ou mais tarde, vão ter esse reconhecimento», acrescentou.

«Da mesma forma que entrei [no Guangzhou], irei sair»

Em novembro, Fabio Cannavaro foi apresentado como o novo técnico do clube da cidade de Guangzhou e Paulo Turra assegura que não transitará para a equipa técnica do italiano.

«O meu contrato termina e não vou renovar. O Cannavaro chegou com a equipa técnica dele e tradutores. Houve boatos, quando o Felipe anunciou que não iria ficar no Guangzhou, de que seria o primeiro treinador do clube. Neguei e afirmei que não iria ficar, porque, da mesma forma que entrei, irei sair. Em 2018 permaneço com ele, até porque tem outros planos para quando terminar a carreira», garantiu.

A procura incessante por novas conquistas contribuiu decisivamente para a saída de Scolari, que tem na seleção da Austrália uma hipótese real para prosseguir a carreira e participar no Mundial 2018, na Rússia.

«A Austrália procurou o Scolari e a abordagem não aconteceu apenas agora. O ‘professor’ estava na China há dois anos e meio. É muito organizado, disciplinado e exigente, e tem ideias definidas sobre futebol. Desde que chegou, ganhou sete em 11 campeonatos possíveis. Acredito que talvez tenha feito um raciocínio do género ‘vou sair agora, porque não há mais desafios’. Sinceramente, nunca vi nenhum treinador receber tantas manifestações de carinho e de agradecimento na homenagem que recebeu dos adeptos, do clube e dos jogadores, no último jogo que disputámos.»

Para já, o desejo de Paulo Turra passa por permanecer na companhia de «Felipão», numa ótica de desenvolvimento e maturação contínuos.

«Quero continuar com o professor Felipe como adjunto. Ambiciono trabalhar num clube de estrutura, que entre em qualquer campeonato em condições de ser campeão, e acredito que abreviei esse tempo com a ida para o Guangzhou. Desejo ganhar muitos títulos. Não tantos como ele, porque são 33, mas que possa chegar próximo disso [risos].»

«Quero voltar a viver em Portugal»

Futuramente, sonha ainda regressar a um país que o acolheu carinhosamente e ambiciona orientar um emblema do futebol português. «É um dos meus objetivos como treinador. Quero voltar a viver em Portugal. Tenho uma identificação muito boa com o Boavista e com os adeptos, pela maneira que tinha de entrega e dedicação, que são duas das caraterísticas do clube. Também tive um bom papel no V. Guimarães, apesar de ter passado bem menos tempo. O futebol português é um dos melhores do mundo, que alia à qualidade dos jogadores muita raça, vontade, determinação e paixão.»