Jaime Pacheco, Henrique Calisto e Nuno Espírito Santo estiveram esta terça-feira em Setúbal, no Forum de Treinador, para falar do que é ser treinador no estrangeiro.

Entre outras coisas, e muitas histórias, falou-se por exemplo do que o treinador português tem de especial. Henrique Calisto foi nesse sentido lapidar.

«Para além de um grande conhecimento técnico, que realmente temos, há uma coisa que faz toda a diferença: os afetos. Somos treinadores que dão muita atenção aos afetos», disse o técnico, que treinou vários anos no Vietname e na Tailândia.

«Quando cheguei à seleção do Vietname, fui substituir o Karl-Heinz Riedle, antigo internacional alemão. Nessa altura a seleção ficava num centro de estágios muito modesto, na verdade muito fraco até, que já tinha sido construído nos anos 40.»

«Ora o Riedle estava lá, dava o treino, acabava o treino e ia embora, para um hotel a quinze quilómetros do centro de treinos. Nunca mais via os jogadores fora do campo de treino. Quando cheguei disse que não podia ser. Todos ficávamos com os jogadores no centro de estágio. As pessoas olham-nos logo de maneira diferente»

Calisto diz que o treinador português tem uma capacidade de chegar a um país e dar. «Nós vamos só para ganhar dinheiro. Vamos para nos entregar, para dar algo de nós.»

«É preciso conhecer as tradições, conhecer a história, integrarmo-nos na vida dos locais. Às vezes um jogador faltava porque a filha fazia um mês de vida. Outras vezes um jogador faltava porque a avó tinha morrido há um ano e eles celebram isso: eu lá ia, encontrava-os a cantar e a dançar, porque para eles é uma festa, levava uma garrafa de whiskey ou um bolo, deixava lá a oferta junto da foto da senhora, enfim...»

Jaime Pacheco concordou com tudo, acenando afirmativamente com a cabeça, e acrescentou outro pormenor: os treinadores portugueses são muito compreensivos. No fundo têm grande capacidade de entender culturas diferentes e de se adaptar a elas.

«Na China, por exemplo, são muito desconfiados, desafiadores até. Nos primeiros tempos andam sempre a testar-nos. Andava sempre com um secretário atrás de mim que escrevia tudo o que dizia, tudo o que fazia, apontava tudo, tudo, tudo», contou Pacheco.

«Depois, quando percebem que estamos ali para trabalhar e que podem acreditar em nós, então fazem tudo. Se lhes dissermos para deitar uma parede abaixo e a levantar a seguir, deitam-na abaixa e reconstroem-na logo ali na hora e sem fazer uma pergunta sequer.»

Na Arábia Saudita, por outro lado, é preciso ter um grande poder de encaixe.

«Na Arábia são os xeiques que mandam em tudo. Eles pagam, eles mandam. São capazes de dizer que hoje querem que treinemos os cruzamentos, amanhã querem que treinemos os penaltis e depois de manhã querem que treinemos os livres. Como pagam, pensam que podem mandar em tudo», conta Jaime Pacheco.

«E muitas vezes gostam de um jogador e ele tem de jogar. Mesmo que tenha faltado a todos os treinos, querem que ele joga. Se nós não o metermos a jogar e a equipa perder, estamos em maus lençóis e podemos ser despedidos. Temos de saber lidar com isso.»