Quando vestiu uma camisola do Inter Miami e posou para fotos, sorridente entre amigos, Guilherme Ceretta não imaginaria que um dia essas imagens iam correr mundo. Foi um batalha laboral entre os árbitros profissionais e a MLS que levou a que o brasileiro passasse de apitar jogos nos escalões inferiores nos Estados Unidos a ser nomeado para dirigir o encontro entre a equipa de Messi e o Orlando City e o colocou no centro da polémica.

O caso foi antes de mais um embaraço para a MLS, que começou a época num impasse negocial com os árbitros, num cenário de lockout que se arrasta há semanas e ainda não tem fim à vista. A MLS bloqueou os juízes profissionais e recorreu a árbitros de substituição. Entre eles estão juízes que apitam normalmente no segundo e terceiro escalão do futebol norte-americano, mas também há muitos que apenas têm experiência no futebol universitário ou de formação. Também há árbitros que já exerceram a nível profissional noutros países. Como Guilherme Ceretta.

O juíz brasileiro chegou a apitar finais do campeonato paulista e fez parte do quadro de árbitros da CBF, que abandonou em 2015, em diferendo com o organismo. Depois emigrou para os Estados Unidos, onde apitava jogos na UPSL, Liga regional norte-americana, enquanto dava também uma perninha como jogador, segundo contava em 2021 numa reportagem do UOL.

A MLS retirou Ceretta do jogo entre o Inter Miami e o Orlando City apenas duas horas depois de a imagem ter sido divulgada nas redes sociais. Mas o incidente já tinha dado uma dimensão inesperada à questão do lockout dos árbitros.

O problema decorre das negociações do novo Contrato Coletivo de Trabalho dos árbitros da MLS, que datava de 2019 e expirou em janeiro. Desde então as negociações arrastaram-se. De um lado a PRO, a entidade responsável pela arbitragem da MLS, do outro o sindicato de árbitros profissionais, cuja sigla é PRSA. Sem acordo, em cima do arranque da principal Liga norte-americana a PRO assumiu o lockout. Ou seja, o bloqueio do acesso dos árbitros profissionais aos jogos da MLS.

Árbitros querem contrapartidas pelo «crescimento exponencial» da MLS

Os árbitros reclamam aumento dos salários, mas também melhoria das condições de trabalho, com o argumento de que a MLS evoluiu muito nos últimos anos no volume de jogos mas também de receitas. Um efeito potenciado pela chegada de Messi no ano passado, com a Liga a registar um valor recorde de 587 milhões de dólares em patrocínios, e por um contrato de dez anos com a Apple TV que vale, estima a Forbes, 250 milhões de dólares anuais.

«O crescimento exponencial da MLS aumentou significativamente a exigência sobre os árbitros, tanto física como mentalmente, e aumentou as exigências tanto sobre o nosso tempo profissional como pessoal», diz o presidente do Sindicato, Peter Manikowski, enquanto nas redes sociais o organismo foi acrescentando argumentos, defendendo que «muitos árbitros da MLS passam 200 e 240 noites por ano fora de casa», um aumento de 10 por cento nos últimos cinco anos, ou contando que os árbitros receberam 337 dólares para apitar um jogo de pré-época em que foram vendidos 32 mil bilhetes. Nos dias que antecederam o arranque da MLS, os árbitros estiveram na rua, em protesto.

Os salários dos árbitros não são públicos, mas o The Athletic escreveu que, segundo o anterior contrato coletivo, os juízes em início de carreira tinham um salário base anual de 50.647 dólares (cerca de 46.600 euros) e os mais experientes entre 95 mil e 108 mil dólares (87 a 100 mil euros), acrescido de 1.350 dólares (1.243 euros) por cada jogo da época regular que apitassem, valor que aumenta em função da fase do campeonato.

Quanto às negociações, as versões dos dois lados não coincidem. A PRO diz que propôs aumento de 10 a 33 por cento para os árbitros, que podiam ir até mais de 100 por cento para os assistentes e VAR, bem como melhoria dos prémios por jogo. O que colocaria os juízes «entre os mais bem pagos do mundo», defende a MLS.

A organização que representa a MLS argumenta que a proposta do Sindicato exigia um aumento de 77 por cento já em 2023, compreendendo salários, questões fiscais ou custos de viagens, escreve a ESPN. O representante do Sindicato nega, garantindo que é na ordem dos 51 por cento, «em linha» com o aumento salarial de 55 por cento dos jogadores desde 2019. Agora, a PRO deu aos árbitros um prazo até 11 de março para aceitarem a proposta, garantindo que se isso não acontecer a próxima oferta «incluirá termos menos favoráveis em algumas áreas».

Pelo meio, ambas as partes têm trocado acusações, com a PRO a acusar os árbitros de tentativas de intimidação dos juízes de substituição e estes a falarem em ameaças e tentativas de coação.

«Impacto negativo na qualidade dos jogos», dizem os jogadores

No meio disto, os jogadores pediram uma resolução rápida para o problema. Em comunicado, o Sindicato dos jogadores da MLS falou num «passo atrás» para a Liga. «No arranque da MLS, a atenção devia estar focada na competição em campo», disseram os jogadores: «O uso de árbitros de substituição não só terá impacto negativo na qualidade e nos resultados dos nossos jogos, também pode colocar em risco a saúde e a segurança dos jogadores.»

Mas esse apelo também não surtiu para já efeitos. E a MLS continua a jogar-se com árbitros de substituição. Embora os responsáveis da Liga defendam que as arbitragens têm seguido os padrões exigidos, a situação coloca mais foco sobre o que se passa em campo e sobre eventuais erros.

O caso mais notório envolveu também um jogo do Inter Miami, frente ao LA Galaxy, no qual o árbitro expulsou o médio Mark Delgado por uma alegada falta sobre Busquets. Com o adversário reduzido a dez, Messi acabaria por marcar nos descontos o lance que valeu o empate. A MLS acabou por despenalizar Delgado, retirando-lhe o segundo amarelo.

A tentar limitar danos, a MLS terá mesmo recomendado aos comentadores dos jogos que evitem «elaborar» sobre a questão dos árbitros de substituição durante as transmissões televisivas, segundo noticiou o The Athletic, que ouviu também os representantes do Sindicato, os quais defendem que se tem notado diferença nas arbitragens. «Há termos de medição concretos para analisar, como o número de revisões vídeo por fim de semana (14 na semana passada contra 2 a 3 em médias nas nossas épocas), o tempo que a bola está em jogo, o número de decisões de fora de jogo incorretas que interrompem ataques válidos e o número cartões amarelos ou vermelhos incorretos ou evitáveis», diz Manikowski.

O impasse também levou a que a MLS adiasse por tempo indeterminado a introdução de novas regras previstas para esta temporada, entre elas as exclusões temporárias https://maisfutebol.iol.pt/internacional/mls/mls-adota-regras-de-exclusao-temporaria-para-combater-perdas-de-tempo ou as explicações das decisões do VAR nos estádios.