Se a Catalunha jogasse a qualificação apurar-se-ia para a fase final de Campeonato do Mundo?

No mesmo dia em que o presidente da Generalitat, Carles Puigdemont, anunciou a declaração unilateral de independência (com efeito suspensivo) da região espanhola, muitas seleções (Portugal incluído) decidiram o apuramento para o Mundial de 2018.

A coincidência de datas ajuda a adensar a dúvida. E a verdade é que se uma eventual independência catalã levantaria muitas questões de cariz político e até económico, desportivamente a resposta sobre a auto-suficiência de um potencial novo país parece ser clara: seis dos 23 jogadores da seleção espanhola que esteve na fase final do Europeu de França são catalães, tal como o são um quarto dos medalhados nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.

Sergi Blàzquez, vice-presidente da Plataforma Pró-Seleções Catalãs, não tem dúvidas em responder ao Maisfutebol: «Temos nível desportivo para conseguirmos a qualificação e até chegarmos longe numa fase final. Vejam a Islândia, um país com pouco mais de 300 mil habitantes, que se acaba de apurar… Nós somos 7,5 milhões, temos excelente formação e tradição futebolística. A coluna vertebral da Espanha campeã mundial e europeia foi o FC Barcelona, o estilo de jogo criado por Pep Guardiola e os jogadores formados em La Masía (escola de formação do Barça).»

Possível onze e respetivos suplentes da seleção da Catalunha

Caso a seleção catalã atual fosse oficializada membro da FIFA contaria provavelmente com Gerard Piqué, recentemente protagonista de polémica, tendo sido assobiado e insultado por adeptos nos treinos e jogos da seleção espanhola depois de se ter votado no referendo da Catalunha a 1 de outubro e de ter colocado a hipótese de abandonar o selecionado espanhol.

Tal como o capitão do Barcelona, jogadores como Sergio Busquets, Jordi Alba, Fàbregas ou o veterano Xavi Hernández têm sido escolhas habituais na convocatória da Catalunha, que teria um plantel de nível bastante superior ao de outras seleções apuradas para o Mundial.

Há 30 anos que Espanha não joga no Camp Nou

Impedida de jogar em datas FIFA, todos os anos a Catalunha, que entre 2009 e 2013 foi orientada por Johan Cruijff, realiza um jogo na quadra natalícia – à semelhança do que acontece com outras regiões autónomas. O último particular resultou num empate a três golos com a Tunísia. O anterior, em 2015, levou mais 50 mil adeptos foram ao Camp Nou, que assistiram à derrota, por 1-0, diante da seleção do País Basco.

O estádio do FC Barcelona tem sido uma das casas mais habituais da seleção catalã. Por outro lado, há 30 anos que Espanha não joga naquele que é o maior recinto desportivo de toda a Europa – aliás, o último jogo de La Roja na Catalunha foi já há 13 anos, no Estádio Olímpico Lluís Companys.

Há um sentimento antiespanhol no Camp Nou? «Por cá, a maioria entende que a seleção catalã é que nos representa e desse modo há algum rechaço à seleção espanhola», defende Blàzquez, argumentando: «Contudo, se eles não jogam no Camp Nou é porque o governo central e a Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF) assim não querem. Aqui não há tiros ou violência se eles vierem cá jogar. No entanto, a RFEF prefere que a seleção jogue noutros sítios em Espanha onde sabe que terá mais apoio.»

Gerard Piqué ao serviço da seleção da Catalunha, frente à Tunísia

Este advogado de profissão é também consultor jurídico do Comité Olímpico da Catalunha, que nas últimas semanas manifestou intenção de pedir adesão imediata ao Comité Olímpico Internacional em caso de independência.

«Quando nos constituirmos como estado independente, a repercussão no desporto será das mais rápidas de constatar. Poderíamos estar representados já nos Jogos Olímpicos de Inverno, em fevereiro de 2018. Naturalmente, há desportistas que teriam de decidir sob que bandeira queriam competir. O desporto é também um reflexo da sociedade catalã e espanhola», refere o dirigente.

«Saída do Barcelona seria uma catástrofe para a Liga Espanhola»

Na verdade, a Catalunha compete com bandeira própria em 21 modalidades: como corfebol, futebol de sala, excursionismo… No entanto, em desportos mediáticos, como futebol, basquetebol, atletismo, entre outros, as associações internacionais estabeleceram a regra de ouro de que apenas Estados independentes podem ter seleções oficiais – exceções como a Escócia, País de Gales ou Irlanda do Norte só acontecem no futebol porque essas federações já existiam antes da fundação da FIFA.

«Sou advogado e em função disso já estudei várias hipóteses para termos seleções catalãs mesmo sem sermos um Estado independente; porém, é de todo impossível», justifica o Blàsquez, que sobre uma eventual exclusão do Barcelona da Liga Espanhola, outro dos temas trazidos para debate por uma eventual independência da Catalunha, adverte para consequências negativas para todas as partes.

«Na Plataforma Pró-Seleções Catalãs tivemos conversações com o FC Barcelona e o que nos foi dito é que lhes interessa continuar na Liga Espanhola de momento, pelos direitos audiovisuais, pela projeção e também facto de o clube ter peñas (grupos) de adeptos por todo o país… No futuro, talvez uma Liga Ibérica ou até uma Liga Europeia fizesse mais sentido» salienta o dirigente, destacando que o interesse na continuidade dos blaugrana seria mútuo.

«À Liga Espanhola não interessa que o Barça desapareça. 80 por cento do interesse nos canais de pay per view que transmitem os jogos, por exemplo, tem que ver com o Real Madrid e com o Barcelona. Para a própria Liga Espanhola seria uma catástrofe o Barça sair. Desde logo, teriam de renegociar direitos de TV, porque deixariam de ter os clássicos», diz, sublinhando uma possível solução de compromisso caso no futuro a Catalunha não faça parte do Estado Espanhol: «Tudo se poderá resolver com uma modificação da Lei do Desporto, que já permite a exceção de Andorra. Apesar de ser um estado independente Andorra tem clubes a jogar na III Divisão Espanhola de futebol ou na Liga de Basquetebol. Dado o interesse de todos, poderia adotar-se o mesmo sistema para a Catalunha.»

Catalunha-País Basco, 26 de dezembro de 2015. Camp Nou (Barcelona)

 

Catalunha-Tunísia, 28 de dezembro de 2016. Estadi Montilivi (Girona)