Autor: Keith Duggan*
West Bromwich Albion e Aston Villa partilham a mais acesa rivalidade do centro de Inglaterra. Quando as equipas se encontraram, em outubro passado, foi um irlandês quem pagou a fatura. Shane Long, contratação recorde do WBA, em agosto, por 6 milhões de euros, disputou uma bola com Alan Hutton e foi virado sem contemplações, rodopiando no ar depois de uma entrada brutal. A reação de Long foi significativa: sem melodrama ou gestos teatrais, Long saiu do relvado pelo próprio pé, coxeando e disparando um olhar sinistro na direção de Hutton enquanto se afastava. Uma reação discreta que bem pode ser uma herança da sua anterior carreira no desporto.
Enquanto adolescente, Long parecia destinado a praticar a modalidade de hurling, pela equipa de Tipperary, o seu condado natal. Muitas vezes designado como o «jogo ancestral», o hurling não se compara a qualquer outra modalidade: são setenta minutos de velocidade alucinante, técnica e dureza. O campeonato de verão atrai assistências que podem atingir 80 mil espetadores, e mesmo que o hurling seja uma modalidade cem por cento amadora, representar a equipa de Tipperary teria sido a ambição natural para o jovem Long.
Até 2004 foi exatamente isso que fez. Como o próprio Long explicava, «Quando se é de Tipperary, o hurling está-nos no sangue.» A decisão abrupta de passar para o futebol foi acolhida com espanto na sua aldeia de Gortnahoe, num período de grande agitação na sua vida. O pai, Eamonn, morreu subitamente, com apenas 47 anos, quando Long tinha apenas 16 e foi o conselho do pai, de experimentar vários desportos, que pesou na sua escolha
.
«Só a minha família me apoiou, todos os outros pensaram que eu estava louco,» reconheceu Long. «Até então, só sonhava jogar hurling na equipa sénior. Mas, ao mesmo tempo, via jogos da Premier League todas as semanas, e o futebol também se tornou importante na minha vida. Foi uma decisão difíci, mas pensei ir em frente, tentar um ano ou dois e se não resultasse poderia sempre voltar ao hurling.»
Long quase arruinou as hipóteses de ir para o Cork, enganando-se na hora de um jogo do Tipperary, observado por um detetor de talentos. Chegou uma hora atrasado, mas resolveu o problemas marcando um hat trick na segunda parte. E com apenas um punhado de jogos pelo Cork City na Liga irlandesa caiu no radar do diretor de prospeção do Reading, Brian McDermott. O seu registo de 25 golos pelo Reading, em 2009-2010, convenceu Roy Hodgson a levá-lo para o WBA.
O primeiro impacto foi tremendo, perante adeptos habituados a lembrar as proezas de lendas como Jeff Astle ou Bryan Robson: marcou na estreia com o Manchester United e voltou a deixar a sua marca diante do Chelsea na semana seguinte. Depois, a entrada brutal de Hutton deixou-o fora dos relvados durante seis semanas, levando-o a pôr em prática o primeiro mandamento de um jogador de hurling: sofre sem dramas, aguenta e segue em frente.
Era inevitável que o estilo destemido de Long atraísse a atenção de Trapattoni, e a sua estreia, no Croke Park, perante a Eslováquia, em 2007, foi um marco notável. Poucos desportistas irlandeses têm a honra de jogar no Croke Park uma vez que seja. No período de três anos, Long conseguiu fazê-lo em duas modalidades diferentes, proeza que permanece única.
Os dias em que os habitantes de Tipperary consideravam que Long era louco por virar as costas ao hurling já passaram, e as camisolas do WBA tornaram-se habituais na região. Se jogar pela Irlanda, no Europeu, mais do que um ex-colega do hurling, terá razões para relembrar, com inveja e admiração, as tardes em que partilhavam um relvado. Olhem para o Shane Long agora, dirão.
*Keith Duggan é redator do  Irish Times da Irlanda. Este artigo está integrado na Euro2012 Network, cooperação entre alguns dos melhores meios jornalísticos dos 16 países participantes.