Por Vítor Maia

A Islândia, um país com pouco mais de 330 mil habitantes, tem sido uma das grandes revelações deste Euro 2016, naquela que é a primeira participação islandesa numa grande competição de seleções.

A seleção liderada a meias por Lars Lagerback e Heimir Hallgrimsson regista um percurso sem derrotas até ao jogo dos quartos de final com a França: recorde-se, empates a uma bola com Portugal e Hungria, vitórias sobre a Áustria e Inglaterra por 2-1. Segue-se agora a anfitriã França.

Embora os resultados só estejam a ganhar forma este ano, a epopeia dos vikings começou a ser escrita no início do século XXI.

O clima e a localização geográfica da Islândia impediam a prática de futebol durante o ano inteiro. Para contornar esse problema que impedia o desenvolvimento do desporto-rei no país, os responsáveis de Federação islandesa decidiram criar infraestruturas que permitissem a prática ininterrupta da modalidade. A solução encontrada foi a criação de indoors, tendo sido o primeiro construído em Keflavík no ano 2000.

Atualmente existem mais de 30 espaços de treino para todas as condições climatéricas e mais de 150 tapetes sintéticos.

Os resultados estão à vista: em quatro anos a Islândia passou da 113ª posição do ranking de seleções da FIFA para a 31ª e atingiu, até à data, os quartos-de-final no Euro2016.

A mentalidade Duglegur

Como é possível este país colocar a sua seleção estar entre as oito melhores do Velho Continente? A resposta é a mentalidade Duglegur, de acordo com o sociólogo Vidal Haldorsen. Esta palavra islandesa traduzida para a Língua de Camões quer dizer capacidade de trabalho, de superação e coragem, entre outros significados. É a palavra onde cabem todos os feitos recentes alcançados pela seleção que são o espelho do povo islandês.

Saiba mais aqui sobre o processo de evolução do futebol na ilha vulcânica e sobre a mentalidade Duglegur.

Os resultados alcançados, passo a passo, pela seleção islandesa nos últimos quatro anos criaram um envolvimento nunca antes visto em torno da equipa comandada por Lars Lagerback e Heimir Hallgrimsson. O sucesso desportivo agarrou uma nação inteira e começou a caminhar de mãos dadas com o entusiasmado dos cidadãos islandeses. E muito por culpa do grupo Tolfán, ultras que apoiam a equipa nacional, que criaram uma espécie de grito de guerra. Uma espécie de Haka islandês.

Após a vitória frente à Inglaterra, o grito de guerra viking foi entoado no Allianz Riviera. O capitão Aron Gunnarsson, que cresceu entre o andebol e o futebol, liderou os festejos, em perfeita sintonia com os islandeses presentes em Nice, num momento arrepiante e que vai ficar no baú das memórias deste Europeu. As imagens do Haka islandês falam por si.

E o entusiasmo pelo futebol com o decorrer da competição estendeu-se a toda a população. Para se ter uma ideia, o jogo frente à Inglaterra foi visto por 99,8% (!) da população da Islândia, (incluindo os 8% que acompanharam a equipa).

A erupção do futebol entre o dentista e o cineasta

O futebol islandês entrou em erupção, qual Eyjafjallajokull, e segue-se a França agora nos quartos de final. Ainda assim, os intervenientes desta página de ouro escrita nos relvados franceses, mantém outras atividades para além do futebol.

Algum dia imaginou que o guarda-redes titular de uma das oito melhores seleções da Europa trabalha também como cineasta? É o caso do titular da baliza islandesa neste Euro2016, Hannes Halldórsson. Divide o tempo entre a baliza do Bodo/Glimt e a produção de conteúdos para o grande ecrã.

Mas o guarda-redes da Islândia não é caso único de homem dos «sete ofícios» na seleção nórdica.

Nesta seleção há espaço para uma das frases célebres da sabedoria popular. Um dos treinadores da seleção da Islândia, Heimir Hallgrimsson divide a orientação da equipa nacional com a profissão de dentista. Questionado sobre se a medicina dentária não lhe retirava tempo para se dedicar ao futebol, o islandês respondeu de forma, no mínimo, curiosa.

«O facto de ser dentista ajuda-me na profissão de treinador. Por vezes tenho pacientes amedrontados, outras vezes calmos e sem receio e tenho que lidar com eles de maneira diferente. Isso ajuda-me no futebol, porque todos os jogadores são diferentes e é preciso saber lidar com eles», referiu.

Nunca fez tão sentido afirmar que o «exemplo vem de cima».

É difícil prever até onde pode ir esta Islândia. Ainda assim, independentemente do que o destino reserve aos vikings, já são considerados uns heróis nacionais: além de terem contrariado todas as expetativas, são o país mais pequeno de sempre a chegar tão longe numa fase final de um torneio de seleções. E acima de tudo, por aquilo que representam para uma nação, por terem transportado a mentalidade Duglegur até à antiga Gália.

Resta a sensação de que, na pequena ilha vulcânica a Norte do Atlântico, cabem todos os sonhos.

Segue-se a França este domingo às 20h (21h locais) em Saint-Denis.

[artigo atualizado]