Arrigo Sacchi, antigo treinador do Milan, explica no seu novo livro, «Os imortais», como «moldou» a difícil personalidade de Marco van Basten e o transformou num dos jogadores mais marcantes da história do clube rossonero e do futebol europeu. Um trabalho que envolveu megafones, desenhos e muito champanhe.

«O Marco van Baten tinha um carácter muito especial. Era sensível, podia literalmente mudar com o tempo - uma diferença na pressão do ar ou na temperatura podia provocar-lhe uma lesão. Mas também foi um jogador brilhante que não trocaria nem pelo melhor avançado da era moderna - o brasileiro Ronaldo», começa por enunciar o carismático treinador italiano.

O primeiro obstáculo que Sachi detetou, foi a desconfiança e o snobismo de Van Basten. «Era um bom rapaz e um campeão excecional, cujo talento era verdadeiramente único. No início, trabalhei muito para fazê-lo perceber que nós, italianos, não éramos uns animais primitivos. Se ele tinha um calo no pé, procurava um pédicure holandês. Se tinha uma dor de dentes, ia a um dentista holandês. Se precisava de cortar o cabelo, ia a um barbeiro holandês», explicou.

Receios que o treinador italiano ultrapassou com muita conversa. «Costumava dizer-lhe: “Lembra-te, Marco, quando nós (italianos) estávamos a vencer Campeonatos do Mundo, vocês ainda estavam debaixo de água”. No final, conseguimos convencê-lo, até porque foi em Milão que se tornou no Van Basten. Ele nunca ganhou a Bola de Ouro na Holanda. Uma vez, quando voltou da seleção nacional, o Marco disse-me: “Chefe, o Milan joga melhor do que a Holanda e eu divirto-me mais aqui”», escreve Sacchi.

O técnico italiano tem histórias que nunca mais acabam com o antigo craque holandês. «Noutra ocasião, estávamos juntos a assistir a um Pescara-Nápoles na televisão, em Milanello [campo de treinos do Milan]. O Pescara de Giovanni Galeone cercou o Nápoles, que simplesmente não conseguia sair ou fazer a ligação com seus avançados. Eu disse: “Marco, gostarias de jogar no Nápoles de Maradona?". E ele respondeu: “Se é assim que eles jogam, ia logo embora”», revelou.

Mas Sacchi teve que ir mais longe para conquistar a confiança do avançado. «Foi preciso tempo e, em alguns casos, algumas caixas de champanhe para conquistar a sua confiança e contornar o snobismo holandês, mas no final ele tornou-se num dos campeões mais convictos da causa, porque entendeu que o nosso jogo o tornava grande».

Sacchi revela ainda que procurava espicaçar Van Basten com apostas e exercícios. «Apostávamos uma caixa de champanhe. Montava uma defesa com quatro defesas e desafiava-o a montar uma equipa com dez jogadores, sem guarda-redes. Se conseguisse marcar um golo a cada quinze minutos, a equipa dele ganhava. Queria mostrar-lhe que uma defesa bem organizada é mais forte que dez jogadores a improvisar. A equipa dele atava, atacava, mas nunca marcava. Se tivesse reclamado todas as caixas de champanhe que ele ficou a dever-me ainda estava a beber a esta hora», conta.

O treinador italiano conta também como obrigava Van Basten a pressionar no momento certo. «Tinha de gritar pelo megafone mil vezes. Outras tantas vezes tinha de lhe fazer desenhos. Tinha de lhe explicar que, quando o nosso ataque terminava, ele não podia colocar-se de lado a descansar, tinha de assumir uma posição ativa, ficar pronto para receber um passe ou para perseguir uma bola. Quando a lição entrou-lhe na cabeça ele ganhou mais confiança no seu valor e tornou-se também num fenómeno a pressionar», destaca ainda Sacchi.