Os pontos estão muito caros para a Roma esta época na Serie A, mas uma vitória em Génova nesta quinta-feira não só ajudaria a aliviar o peso do mau arranque como representaria um marco pessoal significativo para José Mourinho: ela permitiria ao treinador português atingir os 300 pontos no campeonato italiano.

Mourinho chega ao limiar deste marco ao fim de 157 jogos na Serie A – a competição onde soma mais partidas, depois da Premier League (363) e por sinal pouco à frente dos 151 jogos que tem na… Liga dos Campeões. Em absoluto, está muito longe do topo do ranking de treinadores com mais pontos no campeonato italiano, liderado por Carlo Ancelotti, com 948 pontos em 488 jogos, seguido de muitos treinadores italianos, atuais e do passado, com longos percursos no campeonato. Mas, depois de ter sido duas vezes campeão com o Inter e de dois sextos lugares com a Roma, é o segundo treinador estrangeiro nessa lista na era dos três pontos por vitória, atrás apenas de Sinisa Mihaljovic, que atingiu 505 pontos em 370 jogos.

É uma história que começou há 15 anos, quando José Mourinho chegou a Itália para treinar o Inter no verão de 2008, e foi retomada em 2021, no banco da Roma. No início da quinta temporada na Serie A, Mourinho continua a ter números de elite. Começou a época no top 10 dos treinadores com melhor média de sempre no campeonato italiano, somando 1.92 pontos por jogo.

Com apenas uma vitória nas primeiras cinco jornadas desta época, ela já baixou para 1.89, mas isto ainda está só a começar. Como disse Mourinho depois do empate em Turim no último fim de semana, no estilo que cultivou desde sempre, a capitalizar atenção: «É melhor não olharmos para a classificação, porque ela não é verdadeira. Se olharmos em janeiro ou fevereiro, seguramente não estaremos onde estamos.»

«Io non sono pirla»

Aos 60 anos, José Mourinho pode já não ser o treinador que estava no topo do mundo quando chegou a Milão, mas nisso continua igual ao que foi, igual ao técnico que garantiu que seria campeão no ano seguinte quando chegou ao FC Porto, que se disse especial no primeiro dia no Chelsea e que também se apresentou no Inter com uma frase que virou lenda. «Io non sono pirla.» «Não sou estúpido», disse a um jornalista que procurava dar a volta a uma pergunta para insistir na possibilidade de Frank Lampard rumar ao Inter. Foi a 3 de junho de 2008, numa conferência de imprensa em que falou italiano fluente, o que explicou assim: «Como é que falo italiano tão bem? Aprendi depressa porque sou inteligente.»

É um bom ponto de partida para evocar os anos italianos de Mourinho. Que têm duas fases bem diferentes. Primeiro, as duas épocas de todas as conquistas, dos cinco títulos ganhos pelo Inter, entre eles dois «scudettos» e uma Liga dos Campeões. Agora, a passagem pelo banco de uma Roma que não é comparável àqueles anos de domínio «nerazzurro», mas onde conseguiu conquistar o primeiro troféu europeu de sempre para o clube, a Liga Conferência de 2022, e onde chegou na época passada à final da Liga Europa. Ao todo seis títulos e muitas histórias.

Os «Zero titoli» da Roma e companhia

O primeiro troféu chegou logo em agosto de 2008, com a conquista da Supertaça de Itália frente à Roma. No campeonato, o Inter foi dominador e do alto da liderança Mourinho não poupou a concorrência. Outro momento célebre aconteceu em março de 2009, depois de um louco empate a três golos com a Roma, marcado por um penálti polémico sobre Balotelli. Mourinho acusou a imprensa de «prostituição intelectual» e arrasou os rivais. «Não se falou da Roma, que tem grandes jogadores, tantos jogadores que eu gostava de ter comigo, mas acabará a época com zero títulos. Não se falou do Milan, que tem menos 11 pontos que nós e acabará a época com zero títulos. Não se falou da Juventus, que conquistou tantos pontos com erros arbitrais. Os «Zero titoli», ou «Zero tituli», como disse Mourinho, fazem até hoje parte do imaginário do futebol italiano. E também lhe saíram do bolso, porque aquela conferência valeu-lhe uma multa de 20 mil euros.

O Inter foi campeão nessa época quando faltavam duas jornadas para o fim do campeonato. E foi o Milan a precipitar a festa, ao perder com a Udinese na véspera do Inter entrar em campo frente ao Siena. Até hoje, nenhum outro treinador voltou a vencer a Serie A em época de estreia.

A temporada seguinte foi épica. Mas antes do «triplete», Mourinho protagonizou vários momentos de tensão. O mais célebre foi o gesto que fez junto ao banco em fevereiro de 2010, num nulo com a Sampdoria, quando simulou ter as mãos algemadas.

Dessa temporada, ficam muitas imagens. Como a celebração em pleno Camp Nou depois daquele Inter de tração atrás de Mourinho eliminar o super Barcelona de Guardiola na meia-final da Liga dos Campeões, que acabou com Valdés a pegar-se com Mourinho e com os aspersores do relvado ligados.

Naquele mês de maio de 2010, o Inter de Mourinho começou por vencer a Taça de Itália, para depois festejar o segundo «scudetto» na última jornada e acabar a vencer o Bayern Munique na final da Liga dos Campeões. Uma tripla que continua a ser única no futebol italiano.

«Não estou aqui de férias»

Depois, Mourinho rumou a Madrid. Ao fim de três temporadas voltou ao Chelsea. Seguiu-se o Manchester United, depois o Tottenham e foi um Mourinho já longe dos seus tempos áureos aquele que no verão de 2021 regressou a Itália, agora para suceder a Paulo Fonseca no banco da Roma. Mas chegou com a mesma vontade de sempre, garantiu no dia da apresentação: «Não venho por causa da cidade, não estou aqui de férias. Vim para trabalhar. Todos sabem que há muito trabalho para fazer. Queremos conquistar títulos.»

Foi no banco da Roma que cumpriu o jogo 1000 da sua carreira - vitória sobre o Sassuolo -, numa época marcada por muitas limitações no plantel, mas em que Mourinho recuperou protagonismo, construindo uma relação de empatia com os adeptos e recuperando boa parte da sua aura no futebol italiano. A época terminou em festa, com a conquista da primeira edição da Liga Conferência. Mourinho passava a ostentar no currículo as três competições europeias vigentes, algo difícil de replicar. E a Roma celebrava o seu primeiro grande título europeu, depois de uma Taça das Feiras em 1961, o primeiro troféu do clube em 14 anos.

Mourinho conquistou Roma e a paixão é mútua. «Sou feliz em Itália», dizia há um ano em entrevista à Esquire. A segunda temporada foi igualmente dura. Dentro e fora do campo, com Mourinho igual a si próprio, entre os excessos e a paixão, a protagonizar uma série de incidentes que o levaram a acumular expulsões na Liga italiana – três, a juntar às duas que já trazia da primeira temporada. Voltou a levar a Roma a uma final europeia, mas terminou essa decisão da Liga Europa, perdida para o Sevilha, a insultar o árbitro na garagem do estádio. Começou esta época suspenso por quatro jogos pela UEFA, e também afastado do banco no arranque da Serie A, num castigo por causa do episódio do microfone – quando assumiu ter levado um gravador para o banco para registar as conversas com o árbitro Daniel Chiffi.