* Enviado-especial ao Brasil

Enquanto James arrasa pela Colômbia, Messi carrega a Argentina às costas. No Brasil, ou Neymar resolve, ou não resolve ninguém. Neste domingo, a pontualidade de Sneijder anulou o golaço de Giovani dos Santos, repondo a Holanda no rumo dos quartos de final. E foi uma esquerda em slice de Bryan Ruiz que começou a empurrar a Costa Rica para os quartos de final, pela primeira vez na sua história.

Ponto comum aos nomes referidos, para além do talento? Mesmo não sendo os «maestros» de antigamente, todos eles têm o número 10 nas costas. Entre os inúmeros legados positivos deste Mundial, um dos mais óbvios será o avivar da chama do mais simbólico dos dorsais – a par do renascimento dos guarda-redes voadores como Ochoa, Ospina, Navas, Bravo, Júlio César, Romero, para nos ficarmos só pelos latinos.

Desde a década de 80, quando uma improvável conjugação dos astros nos trouxe, durante dois Mundiais consecutivos, Zico, Platini e Maradona no auge dos respetivos talentos, que nos habituámos a esperar magia dos homens com o número 10. Eram os donos das camisolas que ganhavam jogos, um estatuto de nobreza recebido em meados dos anos 50, quando, de tão marcado, o avançado-centro - vulgo número 9 - deixou de ser a referência obrigatória para estrela da equipa.

No inicio da década de 90, porém, Matthäus sucedeu a Maradona como protótipo do 10 a imitar. Será abusivo dizer que o futebol perdeu aí muito do seu encanto? Certo é que, em 1994, Maradona foi expulso do Mundial e o Brasil foi campeão com um 10 (Raí) remetido ao anonimato pelo seu treinador. O melhor da competição (Hagi) ficou-se pelos quartos de final e dos outros não rezou a história.

A seguir, os «10 à antiga», como Rui Costa, tornaram-se exceção nos desenhos táticos dominantes. E, com a generalização dos números personalizados, os génios optaram por diluir-se na multidão, disfarçados com o 21, o 18 ou o 7, entre outros. Intuitivos, os miúdos mais talentosos percebiam que o espaço para brilhar com a bola nos pés nascia nas alas, e não naqueles metros quadrados superpovoados, onde o pensamento se tornava um luxo abafado pelo músculo.

É verdade que em todos os Mundiais seguintes houve 10 brilhantes, sim. Zidane em 98 e 2006, Laudrup em 98, Rivaldo em 2002, Forlán e Sneijder em 2010. Nem todos eram 10 de vocação, mas o que importa destacar é que eram exceções: a atual abundância de escolha não tem precedentes nos últimos 30 anos.

Claro que há um fator para esta fartura nos relvados brasileiros: a exemplo de Messi, o maior-porta estandarte do batalhão, os números 10 já não têm de ser, forçosamente, os cérebros da equipa, a idealizar ataques atrás dos avançados. Desse modelo, o exemplar mais fiel ao cânone é sem dúvida o holandês Wes Sneijder, que já vai no segundo Mundial seguido a fazer de «quarterback» para as acelerações de Robben e Van Persie. Por contraste, Neymar, Messi ou James são avançados sem posição definida, que muitas vezes abandonam a zona central para iniciar os movimentos a partir de um dos flancos – um pouco o inverso do que faz Cristiano Ronaldo em Portugal.

Seja como for, entre médios criativos como Sneijder e Feghouli, avançados de área como Benzema, flanqueadores como Hazard, segundos avançados como Rooney ou desequilibradores universais como Messi, James e Neymar, não há camisola que pese mais neste Mundial. Os 10 estão aí, com a bola toda: pedem-lhes para resolver e eles resolvem. E o futebol é muito mais bonito assim.