O regresso da Académica ao Jamor levanta a pergunta obrigatória: onde anda o espírito que tornou a Briosa um clube único? A resposta é difícil de situar, mas é indesmentível que esta já não é a mesma Académica. «Eram tempos muito diferentes», atira o antigo jogador Manuel António.

A Académica era os estudantes e uma forte escola de formação. Tinha uma ligação quase umbilical à academia. Herdava-lhe o espírito e as tradições. Académica e academia conviviam nos mesmos cafés, nos mesmos bares, nas mesmas tertúlias dos mesmos salões. «São tempos irrepetíveis.»

Ora Franscisco Andrade discorda: a Académica só pode ser aquilo. «Esta final da Taça de Portugal vai fazer com que milhares de pessoas que estavam fora da Académica se unam e voltem a sentir o clube. Quem sabe a Académica não se torne mais igual ao passado e menos igual ao presente?».

«Têm o privilégio de dar voz a um país sem voz: façam-no»

Francisco Andrade foi treinador da Académica na final da Taça de 1969 que começou a mudar o país. A Briosa ganhou nesse jogo um lugar de ouro na história: não na história do futebol, na história do país. Mas Francisco Andrade foi mais do que isso. «Estive nos três momentos-chave da vida do clube.»

Era jogador na greve estudantil de 62 que levou o governo a separar a Académica e a academia, nomeando uma comissão administrativa, era treinador em 69 quando a Académica começou a fazer Abril e era treinador em 74 quando a Académica deu lugar ao CAC: Clube Académico de Coimbra.

Ora por isso o antigo treinador acredita firmemente que a Académica só tem uma saída: ser outra vez a Académica. «O jogo de domingo não é só um jogo, é um reencontro com o espírito da Académica», refere. «A final da Taça é a hipótese de salvação da Académica em muitos aspetos.»

Manuel António, do acampamento da tropa para o Jamor

«Não critico ninguém, a direção do clube de certeza que fez tudo o que pôde e fez o melhor que sabe. Mas cometeu-se um erro muito grande: acreditou-se que a Académica podia sobreviver sendo um clube como outro qualquer. Não pode. Por isso a Académica é cada vez um clube mais pobre.»

Ora como este não é um assunto consensual, Manuel António (que foi treinado por Francisco Andrade nessa final especial) discorda. O futebol mudou. Há uma coisa que manda mais do que tudo o resto: o dinheiro. «Na época ter um curso superior era algo muito importante e valorizado», sublinha.

«Era importante ter uma licenciatura para ter uma vida boa. Hoje já não será tanto assim. Um contrato profissional no futebol rende muito mais», adianta. Francisco Andrade contrapõe que ele não é utópico. «É impossível ter uma Académica só com estudantes. Mas é possível ter estudantes.»

O problema, diz, não chega a ser o dinheiro. É outro. «O problema é que os jogadores- estudantes não vêm nos cadernos dos empresários de futebol», refere. «Mas eles existem. Eu conheço-os. Há muitos jogadores na Liga e na Honra que são estudantes. Esse é o mercado da Académica.»

«Temos de ter seis ou sete estudantes na equipa e com isso conservar o espírito. A Académica OAF tem de aproximar-se da Associação Académica de Coimbra. É muito mais o que nos aproxima do que o que nos separa. Podemos voltar a ser o segundo clube da maior parte dos portugueses.»

Ora voltamos ao início, e à razão desta discussão: a final da Taça.«É talvez a última oportunidade da Académica fazer as pazes com ela», diz. «Tenho a certeza que vou ver no Jamor muita gente que estava zangada e dizia que nunca mais veria um jogo da Académica. De capa sobre os ombros.»

Recorde o que foi a Académica nos anos 60: