O futebol é uma procissão de histórias. Tem memória, sente saudade. Veja-se o exemplo de Mário Jardel e Rui Salgado. Duas carreiras diametralmente opostas, enleadas apenas durante 45 minutos. Choque telúrico, diluvial, ponto de exclamação sobre a cabeça do ponta-de-lança: sete golos ao Juventude de Évora em meio jogo!

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Foi em 1997, já há 13 anos, mas nenhum deles se permite esquecer o festim. F.C. Porto e Juventude voltam a encontrar-se no sábado, para a Taça de Portugal. Ocasião perfeita para o reencontro entre goleador e vítima, captor e prisioneiro. Uma espécie de catarse, olhos nos olhos, expiação do crime e apelo ao perdão. Tudo patrocinado pelo Maisfutebol.

Uma história de futebol. «Nunca tinha feito tantos golos. Nem num treino de brincadeirinha», conta Mário Jardel. «Acho que não tive culpa em nenhum golo. Talvez pudesse ter saído melhor a um ou outro cruzamento, não mais do que isso», reage Rui Salgado.

Memorando de intenções, retratos frescos, instantes guardados e preservados. Lançado ao intervalo por António Oliveira, Jardel fez golos de todas as formas e feitios: três de cabeça, um de pé direito em lance corrido, um de penálti, um de pé esquerdo e outro de¿ letra. Em média, 6,4 minutos foi o que precisou para marcar cada golo a Rui Salgado.

Jardel: «Adorava que o Falcao marcasse dez golos»

Sob o sol natalício de Fortaleza - a aguardar convites de Portugal após alguns meses na Bulgária -, Mário Jardel recorda a voragem, o temporal de golos ao Juventude alentejano. «Foi uma proeza única. De certeza que, numa prova oficial, ninguém consegue bater o meu recorde», diz aquele que um dia foi Super-Mário.

«Fiquei muito feliz com o sorteio. Adorava que neste jogo o Falcao marcasse dez golos! Era a maneira ideal de celebrar aquela minha noite perfeita», suspira o antigo internacional brasileiro. De Rui Salgado, refém paralisado numa acção sem precedentes, Jardel nunca mais ouviu falar.

«Ele não teve culpa. Naquela noite nenhum guarda-redes me segurava. Eu acho que até do meio-campo marcava golo se quisesse.»

Salgado: «Foi o primeiro e único golo de letra que sofri»

Salgado jamais pensara passar por tal humilhação. Mesmo nessa noite, iniciada no banco de suplentes a enregelar. «O Cuca [guarda-redes titular] fracturou o nariz num choque com o Mielcarski. Tive de ir lá para dentro, sem saber bem como.»

Primeiro não custou nada, Jardel estava no outro banco. Depois tornou-se insuportável. «Foi terrível. Estávamos muito desgastados e ele fez o que quis. Entrou fresquinho, aproveitou os passes do Drulovic e do Zahovic, e as coisas aconteceram. Senti-me impotente», desabafa o actual dono da baliza do G.D. Monte do Trigo, equipa dos distritais de Évora.

Jardel gingava, Jardel fintava, Jardel rematava e marcava de letra. «Foi o primeiro e único golo que sofri dessa forma. Ele passou por três defesas e, fruto de todas as facilidades, rematou assim. Pegou bem na bola, de bico, e ela ganhou uma velocidade incrível. Era indefensável.»

O jogo acabou, duas vidas voltaram as costas e o mundo continuou a girar.

«Não falei com o Mário nessa noite e nunca mais o vi. Estava completamente desolado e refugiei-me no balneário. Tenho pena de não o ver por cá, ainda a jogar. Marcou o futebol português e ainda pode fazer muitos golos», sublinha Rui Salgado.

«Espero que agora o Juventude possa fazer um bocadinho melhor. E que não haja nenhum Jardel.»