No início dos anos 90 (1992, creio), estagiário em «A Bola», fui enviado a Fernão Ferro para fazer uma reportagem com o Amora. A equipa da margem sul do Tejo ia jogar na segunda divisão, justificava algumas colunas, no fundo de uma página.

Lembro-me de chegar ao hotel onde estavam a estagiar, dizer quem era e ser convidado para almoçar com a equipa. Rui Maside era a figura, Jorge Jesus o treinador. Devo ter falado com ambos, não me lembro. Só me recordo de me sentar à mesa e ouvir Jesus dizer algo do género os jornais dão pouco importância a estes clubes, deviam falar mais em nós. Para Jesus, o futebol começava ali perto, na Amora.

Jesus, de resto, parece duvidar que exista sobre a terra alguém que saiba mais de futebol do que ele. Uma recolha nem por isso exaustiva do que disse ao longo da carreira é prova do que escrevo.

No entanto, como todos já perceberam menos o presidente do Benfica, Jesus é exatamente como os outros treinadores. Tem as suas ideias, empata, ganha e perde. Às vezes até um pouco mais do que era suposto, tendo em conta o que se gasta com o plantel do Benfica.

Ver Jesus a agarrar polícias e adeptos, fora de si, pode parecer um pouco de mais. Mas no essencial é aquilo mesmo: ele é que sabe. Se for para defender os adeptos (como diz), que se afaste até a autoridade.

Por vezes, durante alguns períodos, a estrutura de comunicação do Benfica consegue fazer crer que Jesus nem é bem aquilo. Consegue, no fundo, mantê-lo controlado. O meu pai conseguia o mesmo com o nosso primeiro carro, um Fiat 127 já com alguma idade. Com dedicação, removia a ferrugem, lixava as partes expostas e voltava a pintar, na esperança de que ele não nos deixasse mal na próxima subida.

Jesus é aquilo. Por mais que o pintem, ele é o treinador que acha que o futebol começa na Amora. Se for ele a sentar-se no banco, claro.

Portanto, não serei eu a confessar-me muito surpreendido com as imagens do final de jogo em Guimarães. Até porque já vi pior, em diversos jogos de distrital. Aquilo foi um momento distrital, só que transmitido na televisão, colocado no youtube e posto a circular pelo mundo. Uma vergonha, sim.

Jesus é ainda o treinador que à quinta jornada aproveita uma conferência de imprensa para colocar pressão sobre os árbitros. Também não me surpreende, embora aqui já não encare a coisa com tanta leveza. Ver Jesus a sacudir polícias ainda compro. Ouvi-lo questionar a verdade desportiva e pressionar árbitros, a ver se consegue chamar-nos estúpidos, já não me diverte.

Devo no entanto admitir que ainda gostei menos de ver Paulo Fonseca ir no jogo. Eu sei que Paulo Fonseca é treinador do FC Porto, um clube que pratica este jogo há décadas. Mesmo assim. Mesmo assim esperava que resistisse um pouco mais e não retirasse espaço ao presidente.

No meio destas confusões, Leonardo Jardim perdeu dois pontos mas ganhou crédito. Aprecio o trabalho do madeirense e sua forma de estar e comunicar. E nunca tinha visto um treinador de um grande reconhecer o óbvio: eles são os mais beneficiados com os erros de arbitragem. Mesmo que numa jornada ou outra (como é o caso desta) pareça que não.

Por tudo isto, não posso concordar mais com Marco Silva.

PS: Apesar do que escrevi acima, é evidente que Jesus deve ser castigado. Não esperem é que seja o Benfica a criticar o seu treinador. Por alguma razão Vieira fez um museu: foi para colocar lá os valores centenários do clube. No fundo, coisas que passaram de moda.