Começar nos karts, passar pelos campeonatos de base e chegar à Fórmula 1. Não será difícil encontrar pilotos em todo o mundo com este perfil bem pensado para uma carreira, ainda nos verdes anos. Mas as voltas da corrida também trocam as voltas aos sonhos e muitos são obrigados a uma realidade diferente.

João Barbosa, o português que recentemente voltou a vencer as 24 horas de Daytona, passou por isso mas cedo se desencantou com a Fórmula 1. E o melhor é que nem vacilou: surgirão outras oportunidades. Arriscou e surgiram mesmo.

Nascido no Porto, João Barbosa está nos EUA há dez anos. Continua a sentir-se português mas sabe que o que conseguiu na carreira foi, quase tudo, graças ao trabalho na famosa «terra das oportunidades».

Antes disso, porém, já tinha sido campeão português de karts em 1988 e 1989, para além de ter ganho o título na célebre Fórmula Ford, em 1994. Parecia lançado, de facto, para tentar a sorte na Fórmula 1, numa altura em que Pedro Lamy era a referência.

«Como todos os miúdos que iniciam o karting, o meu sonho era a F1. Adorava ver o Ayrton Senna correr, sempre foi a minha referência», conta João Barbosa, em conversa com a Maisfutebol Total.

Do sonho à realidade foi um pequeno passo. A princípio. Em 1996 conseguiu um teste com a Minardi. «Correu muito bem», garante. Mas, no final, foi preterido.

«Preferiram outro piloto que trazia muito dinheiro. Rapidamente apercebi-me que se queria prosseguir a minha carreira como piloto profissional, ela não iria poder passar pela Fórmula 1», explica. E arriscou.

«Hoje sinto-me completamente realizado. Estou num excelente campeonato como o Tudor United Sportscar Championship e numa excelente equipa que é a Action Express Racing. Estou, de facto, numa posição privilegiada», assume.

«Voltar a Portugal? Só num futuro longínquo»

O nome de João Barbosa voltou à ribalta recentemente com a segunda vitória nas 24 horas de Daytona, uma das mais importantes provas de Resistência do calendário anual. Já tinha ganho em 2010 e repetiu a façanha, colocando a bandeira portuguesa no lugar mais alto do pódio.

Na sua equipa, dois ex-pilotos de Fórmula 1: Sebastien Bourdais e Christian Fittipaldi, sobrinho do bicampeão do mundo Emerson Fittipaldi.

João Barbosa até seria o menos conhecido do trio, mas teve a honra de cortar a meta. No final, sentiu que tinha realizado a missão desejada, o que foi suficiente para um final feliz.

«Ficou uma sensação de dever cumprido. A equipa trabalhou afincadamente durante todo o Inverno a preparar e readaptar o Corvette para esta corrida e isso deu resultados. É lógico que prever o desfecho de uma corrida de 24h é impossível, mas tudo fizemos para ter um bom resultado e estávamos confiantes. A equipa depositou toda a confiança em mim, mais uma vez, ao nomear-me para fazer o início e o fim da corrida», destacou.

Quando chegou ao fim, João Barbosa não terá lembrado o dia em que tomou a decisão mais difícil da carreira, mas também a mais acertada: emigrar para os EUA.

«Foi a única oportunidade que tive, mas rapidamente apercebi-me que se queria prosseguir uma carreira como piloto profissional o meu futuro teria de passar por aqui. Atualmente, não trocaria a minha situação por um lugar na Europa», garante.

Contudo, a ausência prolongada deixou-o longe da ribalta em Portugal. João Barbosa não esconde que se sente, várias vezes, esquecido. «Nunca senti que a minha carreira tivesse o devido acompanhamento em Portugal, em qualquer que fosse a sua fase, salvo raras exceções», diz.

«De qualquer maneira isso nunca me preocupou minimamente pois, felizmente, o reconhecimento pelo trabalho que tenho feito nestes últimos anos tem sido devidamente acompanhado pelas pessoas que realmente fazem progredir a minha carreira, ou seja, no meio automobilístico aqui nos Estados Unidos», sublinha.

Voltar a Portugal é, portanto, um cenário que não se põe, para já. «Quem sabe num futuro longínquo. Acho que ainda tenho uns bons anos pela frente a competir», projeta.

«Fórmula 1 está nivelada por baixo»

João Barbosa continua a ser, contudo, um espectador atendo do panorama automobilístico português e internacional.

A nível interno, lamenta que o desporto automóvel ainda seja visto como «algo para as elites». «As empresas não vêm ainda o desporto automóvel como uma válida montra para os seus produtos. Existe ainda muito trabalho a fazer e aa situação financeira em que o país se encontra dificulta ainda mais essa tarefa. Mas o gosto pelos automóveis existe ainda, basta ver o número de candidatos que tem a ação da Nissan com o GT Academy», recorda.

E os problemas financeiros que deteta em Portugal alastram-se a uma estrutura tão grande como a Fórmula 1. «Está cada vez mais dependente de dinheiro», lamenta.

«A F1 precisa de pilotos que sejam capazes de pagar avultadas somas para garantir o lugar. Acho que isso nivela muito por baixo o nível de pilotos. É lógico que as equipas de topo têm sempre os melhores, mas existem também excelentes pilotos que ficaram pelo caminho só porque não tinham patrocinadores consigo», destaca.

E lembra o caso de António Félix da Costa, ainda bem fresco na memória de todos: «Estava, realmente, com esperanças que ele iria conseguir reabrir essa porta este ano. Não deu, mas penso que ainda há esperanças, se fizer bons resultados no DTM. Se não acontecer acho que irá ser muito difícil que Portugal volte a ter um piloto na Fórmula 1 a médio prazo.»

João Barbosa e a esposa (assustada!) numa volta em Daytona: