Era mais um dia na vida de João Cardoso. Em tudo igual aos outros. O anónimo guarda-redes da Naval ¿ habitualmente terceira opção, atrás de Taborda e Wilson ¿ reuniu um grupo de amigos e foi, como tantos outros, até ao Estádio José Bento Pessoa, para assistir tranquilamente ao Portugal-Sérvia em Sub-21, disputado ontem na Figueira da Foz. O que o jovem guardião (23 anos) não esperava era, num ápice, passar de espectador a protagonista. Há dias assim, de sorte. De muita sorte.
«Estava já instalado na bancada, por ironia mesmo atrás do banco português, quando recebi uma chamada no telemóvel, do secretário-técnico do clube [João Almeida], que queria saber o meu ano de nascimento. Respondi-lhe 1983 e ele pediu-me para descer imediatamente aos balneários, sem me dar mais explicações. Não fazia a mínima ideia do que se tratava», conta o detentor da, provavelmente, mais rápida convocatória de sempre de uma selecção nacional. «Rápida e inesperada também. Não estava nada à espera disto», acrescenta.

Chegado ao balneário, João Cardoso toma conhecimento do sucedido com Paulo Ribeiro, a quem estava reservado o papel de suplente de Ricardo Baptista. O guarda-redes do F.C. Porto tinha acabado de sofrer um traumatismo crânio-facial, ao ser atingido por uma bola na cara durante o aquecimento e estava a caminho do hospital. «Face a isto, o João Almeida perguntou-me: queres ser internacional? Lá terá de ser, não é?, respondi-lhe.»
Equipou-se e dirigiu-se ao banco de suplente já com cerca de meia-hora de jogo. Mal se sentou perto dos craques, teve logo de enfrentar o humor de alguns deles: «Penso que também ficaram surpreendidos com a minha presença e brincaram comigo: então o rapaz vem à bola e vão chateá-lo na bancada? Diziam isso como se fosse um frete para mim estar ali! Na verdade, foram espectaculares. Desde o técnico de equipamentos, jogadores, passando pelo ¿mister¿. Praxe? Não, dadas as circunstâncias, não houve tempo para isso. Mas não me importava.»
Na esporádica passagem pelos sub-21, João Cardoso, que nunca havia passado das selecções regionais de Coimbra, assegura ter estado sempre tranquilo ao ponto de ter alimentado a expectativa de poder entrar no jogo: «Adaptei-me depressa às funções e penso que consegui cumprir. Caso acontecesse uma lesão com o Ricardo Baptista, eu estava pronto para jogar.»
«Olha o internacional!»
Se da parte dos jogadores da Selecção de Sub-21 a recepção até foi calorosa, já esta manhã, no regresso ao trabalho com os colegas da Naval, o guardião viu-se obrigado a pôr ordem na casa. «Não pararam de gozar comigo desde a entrada para o treino até sair do relvado. Era só o internacional para aqui, o internacional para ali. Tive de dizer basta!», confessa.
De regresso à realidade, João Cardoso garante que este episódio irá funcionar como «um estímulo muito importante para continuar a trabalhar, ainda com mais força, para, quem sabe, um dia, volta a vestir aquela camisola noutros moldes». Esta foi a primeira versão, depois, pensou melhor, e, mais a sério, admitiu que lhe saiu a sorte grande. Nada mais. «Foi algo que se proporcionou. O jogo era na Figueira, de onde eu sou, e estava ali por acaso. Podia ter acontecido a qualquer outro.»
O prémio por ter ajudado a selecção é que ninguém lhe tira. «Deram-me o equipamento e vou guardá-lo como recordação deste dia [noite] um pouco diferente», assevera. O baú de memórias do jovem figueirense passará agora a ter um «troféu» especial, entre aqueles que conquistou ao serviço da Naval e do Gândara (distritais), os únicos clubes que representou até ao momento¿