O português João Garcia chegou nesta terça-feira a Lisboa, depois de ter escalado o Annapurna (Himalaias), a última das 14 montanhas acima dos oito mil metros que lhe faltava. O alpinista cumpriu um objectivo de vida e até admite que a última escalada «foi mais fácil do que esperava».

Aliás, última até foi um termo que o deixou ansioso. «Última era aventura, última montanha, última era uma palavra que me stressava», disse, em conferência de imprensa. «Espero que não seja a última grande escalada», continuou. «Este foi um projecto ambicioso que me ocupou os últimos 17 anos da minha vida, escalar 14 montanhas acima dos oito mil metros, sem oxigénio artificial», lembrou João Garcia.

O alpinista português contou que «a expedição correu muito bem», mas que «houve também o factor sorte», pois teve condições climatéricas favoráveis quando não era previsível. «Estava preparado e não desperdicei, sesci bem e aqui estou», disse.

«Tenho de reconhecer que foi mais fácil do que esperava, porque a espera pode ser um adversário, quando não conseguimos as condições certas para ir ao cume. Tem implicações físicas, mas também psicológicas», argumentou.

«Não estragar tudo, como Zidane»

Agora que cumpriu todas as etapas acima dos oito quilómetros de altitude, João Garcia crê que «fazer mais e melhor é a única maneira de crescer como pessoa» e recorda: «Só há dez pessoas que podem dizer que conseguiram isto sem o recurso a oxigénio artificial. Agora que passei essa linha continuo o mesmo. Sinto-me estranhamente normal.»

O alpinista português fez muitos sacrifícios ao longo deste projecto, com repercussões físicas visíveis. Ainda assim, acredita que «valeu a pena» o esforço. «Não vou esconder o orgulho, este é um projecto que me avalia perante o grande público, tenho outras coisas em que poderei ser avaliado pelos meus pares, por outros alpinistas.»

A meio da conferência de imprensa, alguns amigos interromperam e decidiram questionar João Garcia. Um quis saber porque descera do cume tão devagar. «No ano passado fiz um esforço grande, ao descer no mesmo dia que tinha chegado ao cume. Arrisquei mais. Mas esta montanha é muito perigosa, tive respeito e desci devagar. Eu escalei sozinho e descer assim foi uma decisão táctica. Conheci um alpinista que, na última montanha de oito mil metros, das 14, faleceu na descida. Desci com calma, para não estragar tudo, como o Zidane, naquele último jogo.»