O Maisfutebol não se meteu num bólide de corrida, mas sentiu na pele (e no estômago, já agora) os efeitos dos últimos 20 kms até chegar à mais recente localidade com direito a futebol de primeira.

Até Vale de Cambra, pelas autoestradas, o percurso é igual a tantos outros, mas a partir daí... a estrada nacional é quem dita as curvas. Chega-se, por fim, a Arouca. A descer, depois de ter colocado prego a fundo no carro para vencer a inclinação. Só apanhámos dois pesados. Uma alegria.

«A primeira vez que fui ver no mapa onde ficava a vila não deu para ter noção exata, mas lembro-me bem da primeira viagem. Foi o Stephane que me trouxe e não parei de perguntar: ainda falta muito? Já tinha visto a placa de entrada no concelho, mas nunca mais chegávamos», conta o antigo boavisteiro Hugo Monteiro, o mais antigo do plantel.

«Nessa altura [há três anos] não havia a A32, íamos pelo Picoto, era só estrada nacional até aqui», prossegue, agora já adaptado ao traçado sinuoso. «O corpo acaba por se habituar. Quanto era mais novo, também não conseguia comer nada antes de treinar, agora é o contrário», observa.

Faz a viagem com quatro colegas, desde Santa Maria da Feira, a 40 kms, e vão rodando os carros. Nada que se compare, ainda assim, ao «inferno» de quando começou a jogar no emblema arouquense. «Éramos sete e vínhamos do Porto numa carrinha de oito lugares. Levávamos hora e meia», recorda.

Há quem venha de Braga num Smart

O problema é que Arouca fica no raio de várias cidades e, como tal, a tentação de fazer a percurso diariamente é grande. A solução, para uma boa parte dos atletas, foi alugar casa na vila, pelo menos para o trabalho semanal. Mas há quem venha de Braga... quase todos os dias.

«Só à quinta e ao sábado é que ficamos lá. São 230 kms, ida e volta. O pior são os últimos 30, pela serra, e quando apanhamos camiões, em dias de chuva, por exemplo. Enfim, correu bem. Oxalá seja sempre assim», conta Miguel Oliveira, um dos esteios da defesa, e dono de um Smart que se porta «às mil maravilhas» a serpentear pelo asfalto.

O desgaste e o risco da viagem valeram-lhe, mesmo assim, as reprimendas do treinador. «Levámos muitas vezes na cabeça do mister, eu e o Dani. Agora que subimos, fui-lhe perguntar se já podíamos fazer isto todos os dias e ele respondeu: vai é... não me chateeis [risos]!»

Sustos não teve, tirando a aflição da família, em final de Março, aquando da derrocada na EN 224, que fez dois mortos. «Não há rede no balneário e a minha mãe quase teve um badagaio», relembra. «Vê-se cada maluco. Eu não arrisco. Prefiro chegar atrasado e pagar multa do que perder a vida.»

Outro caso. Clemente, conhecido pelas façanhas de gigante na Taça de Portugal, pensou inicialmente em fazer cerca de 30 kms, deade Oliveira de Azeméis. Desistiu, claro.

Passou a morar mesmo atrás do estádio. Só tem de atravessar a rua para ir aos treinos, a pé. Outras vezes, basta-lhe sair às 9 horas, para levar a filha à escola, e está à disposição de Vítor Oliveira num instantinho. «O pior é o inverno, mas tenho a lareira. A casa é muito boa», diz, satisfeito. O resto é um sossego.

A paisagem bucólica, o enquadramento com a serra da Freita, tudo convida ao retiro, à meditação. A conjugação perfeita dos elementos para se fazer um bom trabalho. Os resultados estão à vista.

A estrada podia ter menos curvas, mas pode ser que, uma vez colocada a vila no mapa pela força do futebol, o desporto-rei também ajude a desbloquear os projetos na gaveta. Por tudo isto, os colegas, e o Maisfutebol também, com a devida vénia, têm de reconhecer: Joeano tem razão, é capaz de ser mais fácil lá chegar de karting.