A Irlanda do Norte não aceitou bem a entrada, nos últimos anos, de milhares de imigrantes, originários dos mais distintos países, incluindo Portugal. A xenofobia, as manifestações de racismo, são costantes, e para lutar contra tal realidade foi criada, em 2003, uma equipa chamada All World United (todo o mundo unido), que conta com jogadores de vários países, incluindo Aruna Djão e Miguel Chinês, dois emigrantes lusos que encontram no futebol uma forma de alertar para os problemas com que se debatem as minorias étnicas naquela região britânica.
O projecto, que surgiu no seio do Comité de Irlanda do Norte para as minorias éticas, foi acolhido entretanto pela federação de futebol do país e pela própria UEFA. Em conversa com o Maisfutebol, Aruna Djão e Miguel Chinês explicaram os contornos da iniciativa, que alberga igualmente jogadores da Polónia, Albânia, Algéria, Irão, Costa do Marfim, Zimbabwe, Kosovo e Brasil. «É extremamente gratificante, uma forma de alertar para um problema muito grave. Aqui, já nem se pode falar de racismo, é uma situação tão extrema que nem é possível descrever. O país esteve fechado ao exterior até há bem pouco tempo e as pessoas daqui não aceitaram bem a entrada de estrangeiros», relata Miguel Chinês.
Não foi o futebol que conduziu Aruna Djão, o «capitão» da All World United, e Miguel Chinês à Irlanda do Norte. Aliás, nem poderia ser, pois «são poucos os jogadores profissionais a jogar no campeonato», acrescenta Miguel Chinês, de 26 anos, há quatro no país, que chegou a representar o Linfield, uma das equipas mais fortes da competição, para além do Dungannon e do Glenavon. As fábricas são o caminho para a entrada de estrangeiros no país. Os dois portugueses passaram por lá, foram «explorados» e cedo perceberam que tinham de arranjar algo melhor e rumar a Belfast, a capital, pois «é preciso escolher muito bem o sítio para viver». «Se fores para o bairro errado, de protestantes, queimam-te logo a casa», conta Aruna Djão, lembrando que os católicos são, ainda assim, mais moderados.
Aruna Djão, de 22 anos, há três na Irlanda do Norte, trocou as fábricas por um cargo nos escritórios do Comité para as minorias étnicas, onde conheceu Michael Boyd, um dos principais dinamizadores da All World United que o convidou a integrar o projecto pouco depois do arranque. Miguel Chinês, actualmente a trabalhar numa companhia de telefones e à procura de um clube para jogar, juntou-se pouco depois. São conhecidos os casos de discriminação contra emigrantes lusos, e Aruna e Miguel lamentam a falta de apoio do Governo português. «O Consulado de Portugal na Irlanda do Norte não trabalha, desde que morreu o seu responsável. Mandam-nos para Dublin, daí para Londres, e daí para Lisboa. Quando o meu passaporte caducou, tive de ir a Portugal renová-lo», relata Miguel Chinês.
Aruna Djão nunca teve tempo nem disponibilidade para integrar uma equipa da Irlanda do Norte, onde o futebol não constitui meio de subsistência. «Para ter uma ideia, a maioria das equipas só treina duas noites por semana», explica, alinhando pelo diapasão do conterrâneo, que nunca recebeu um tostão por ter representado o Linfield, actual líder do campeonato. «Fui à experiência e acabei por ficar, fiz bons jogos, mas nunca recebi nada. Teve de ser um adepto do clube a arranjar-me casa e a ajudar-me, porque eu morava longe e era difícil arranjar transporte», afirma Miguel Chinês. A visita da selecção de Portugal à Irlanda do Norte, para um encontro, foi um ponto alto para Aruna Djão e Miguel Chinês: «Estivemos no relvado à conversa com os jogadores, como Ricardo e Costinha. Queríamos falar com o Cristiano Ronaldo, mas ele evitou-nos¿»