Soaram três campainhas em Portugal. Três jogos que uma organização de monitorização de apostas não hesita em considerar combinados, viciados. Essa organização, a Federbet, deu o alerta nesta terça-feira, em Bruxelas. Seguiram-se as reações em Portugal. O presidente do principal clube nomeado, a Oliveirense, negou qualquer envolvimento. O presidente da Liga disse que ia fazer chegar as denúncias às autoridades. À espera de perceber mais implicações desta denúncia, de um ponto não restam dúvidas: são novos sinais de alerta para um problema que é real e global.

Emanuel Medeiros, que foi presidente da Associação de Ligas Europeias de Futebol Profissional (EPFL) e representa agora na Europa o Centro Internacional para a Segurança no Desporto (ICSS) , que se concentra nas questões da integridade desportiva, incluindo as apostas, das quais também faz monitorização, diz ao Maisfutebol desconhecer a organização que divulgou agora estes dados e por arrastamento os dados revelados, mas dá em números uma medida do fenómeno.

«Fizemos um estudo com a universidade de Sorbonne que dá conta da dimensão do problema e da forma como lesa o desporto», diz: «Estamos a falar de 500 mil milhões de euros por ano em apostas ilegais no desporto, dos quais 140 mil milhões dizem respeito a branqueamento de capitais.»

O alerta do dia e que envolveu Portugal partiu da Federbet, uma organização que pretende «defender os interesses das companhias de apostas e dos consumidores» e o direito a jogos «limpos», como explica ao
Maisfutebol o seu secretário-geral, Francesco Baranca. A Federbet anuncia-se como uma organização sem fins lucrativos que se associa a parceiros interessados para prestar os seus serviços de monitorização. Já trabalha, diz Baranca, «com empresas de apostas, com a Liga espanhola e com equipas italianas como a Udinese, Sampdoria e Novara». «Estamos a tentar fazer um projeto conjunto com o Parlamento Europeu», acrescenta, depois de ter apresentado o seu relatório anual, numa conferência de imprensa na sede do Parlamento Europeu em Bruxelas, ao lado do deputado belga Marc Tarabella.

É nesse estudo que surgem três jogos da época 2013/14 da II Liga (Oliveirense-Benfica B (1-2), Trofense-Oliveirense (3-0) e Portimonense-Oliveirense (1-0) que a organização concluiu terem sido previamente combinados.

E como chegou a estas conclusões? Baranca tenta explicar. «O meio das apostas é parecido com o mercado bolsista. Há sempre um preço, um valor de referência. Esse valor pode mudar por vários factores, como o capitão de equipa estar lesionado, esse tipo de coisas, que são normais», explica «O mercado não é fechado, move-se. Mas quando os movimentos são muito grandes, súbitos, quando há um volume anormal de apostas, é provável que estejamos perante um jogo manipulado.»

Foi isso que aconteceu nos casos que a Federbet identificou como sendo «jogos viciados». Em Portugal, a organização monitorizou as duas principais Ligas. «Na primeira Liga não houve movimentos suspeitos», diz.

Como é que a organização faz para controlar todos os movimentos de apostas? Baranca não abre muito o jogo, mas vai dizendo que é uma combinação de sistemas informáticos com intervenção humana: «É preciso muita gente, mas não é muito complicado. São olhares humanos que usam software. Monitorizamos todas as apostas ao longo do ano.»

Baranca não teme ser alvo de processos por parte dos clubes que são nomeados no relatório da organização. «Nós não dizemos que os clubes são responsáveis, muitas vezes podem nem o ser», diz, explicando que o objetivo é mesmo lançar o alerta para o problema e trazê-lo para o espaço público. «Queremos ajudar resolver o problema», diz.

A organização diz que, quando identifica um jogo suspeito dentro do universo dos seus contactos, informa o parceiro. «Não somos polícias, não fazemos investigações. Mas podemos dar números às autoridades», diz, acrescentando que a organização já colaborou no passado com a polícia italiana: «Em Itália entregámos uma lista de jogos suspeitos, a polícia fez a investigação e descobriu coisas muito importantes.» Acrescenta também que não teve qualquer contacto de autoridades portuguesas.

O objetivo de uma organização como a Federbet é defender quem faz as apostas e, por arrastamento, a verdade desportiva, defende Baranca, para quem ambas as coisas estão ligadas. «Se há jogos viciados as empresas de apostas e os clientes estão a ser enganados», afirma, acrescentando, para concluir, não ter dúvidas de que este é «um enorme problema» no futebol europeu. «É mesmo. No momento em que falamos está seguramente a ser combinado um jogo.»

Tem havido vários sinais das autoridades e das organizações do futebol para tentar lidar com o problema. Emanuel Medeiros revela que o Conselho da Europa está a preparar uma convenção internacional sobre apostas desportivas. O caminho, diz, tem que ser mesmo global: «São precisas políticas globais e concertadas.»

Medeiros diz que em Portugal o tema também está sobre a mesa. A sua organização, acrescenta, prepara-se para assinar um memorando de entendimento com o Governo português precisamente neste âmbito. Será um acordo «de largo espectro», à semelhança de um outro já assinado com o Comité Olímpico Português.