A modesta selecção de futebol da Samoa Americana está habituada a fazer história pelos piores motivos. Nos primeiros dezassete anos de existência perdeu todos os jogos (trinta). Em 2001 sofreu mesmo 31 golos - sem resposta - da Austrália, naquele que é o registo mais dilatado do futebol internacional. Dez anos depois a Samoa Americana voltou a escrever história, mas agora pela positiva.

Saelua: o defesa que gostava de casar com Ronaldo

A 23 de Novembro de 2011, a «Au Filli» conquistou a sua primeira vitória oficial, frente a Tonga (2-1). Uma assistência para golo e um corte em cima da linha ao cair do pano deram o título de melhor jogador em campo a um defesa que já tinha um lugar na história, como o primeiro transgénero do futebol mundial. A ficha de jogo dizia Johnny Saelua, mas foi com Jaiyah Saelua que o Maisfutebol conversou, por telefone.

«A Samoa Americana, assim como outros países do Pacífico com cultura polinésia, aceitam os fa¿afafine. São pessoas que nascem homens mas que se sentem mulheres desde muito cedo. É algo aceite em quase todos os aspectos da sociedade, embora no desporto seja um pouco mais difícil», explica ao nosso jornal.

O bilhete de identidade pode apresentar um Johnny Saelua, mas é Jaiyah que enfrenta a sociedade e fala abertamente dos seus 23 anos de vida. «É a nossa história que faz aquilo que somos. É por isso que lutamos. Fiquei assustada, no início, com tanta atenção mediática, mas sinto-me orgulhosa por representar o meu país. Espero servir de exemplo para que outras pessoas sigam os seus sonhos», diz.

Conforto em casa, portas fechadas no Havai

Jaiyah «sempre quis jogar com as raparigas», mas o género de nascimento levou-a para a selecção principal masculina com apenas 14 anos, no âmbito de um programa de recrutamento da federação desta dependência dos Estados Unidos da América. «Aceitaram-me bem, não me complicaram a vida, embora tenha sido difícil no início, já que preocupava-me muito com o que os colegas pensavam», recorda ao Maisfutebol. A confiança é tanta que após a primeira vitória houve «lap dance» no balneário, em jeito de brincadeira.

Mesmo o seleccionador Thomas Rongen aceitou bem. O holandês, radicado nos «states» há mais de trinta anos, trata Jaiyah como «my girl» (n.d.r. minha menina). Mas não é assim em todo o lado, como o próprio Rongen reconhece. «Tenho uma mulher no eixo da defesa. Conseguem imaginar isto em Inglaterra ou Espanha?», questionou o técnico, após o jogo com Tonga.

Não é preciso ir tão longe. Jaiyah está agora a estudar artes performativas no Havai, e viu fecharem-lhe as portas da equipa universitária. «Os rapazes não me aceitaram bem, até porque muitos deles são da mainland (Estados Unidos da América)», lamenta. «Mesmo nos jogos da selecção já vivi situações difíceis, quando me insultam, mas os meus colegas apoiam-me muito, e aquilo acaba por motivar-me ainda mais», revela.

«Não digo que jogar no estrangeiro seja um sonho, mas seria uma oportunidade fantástica. Mas sinto que seria difícil, e na Samoa Americana sinto-me confortável», reconhece.