A guerra dos Balcãs arrasava populações indiscriminadamente. Falava-se em limpeza étnica, intolerância, novo Holocausto. Mladen Karoglan a tudo assistia impotente. Ao longe. No sossego proporcionado pela acolhedora cidade de Braga.

Natural da região da Dalmácia (ex-Jugoslávia), o antigo guerreiro do Minho travava outras lutas. Menos sangrentas, naturalmente. De 1993 a 1999, o Sp. Braga foi a sua pátria e o V. Guimarães o agressor maldito. Apesar da rivalidade ancestral, o tom de belicismo desfazia-se dentro do relvado. Karoglan conta na primeira pessoa.

«Era uma rivalidade muito bonita. Não havia porrada nem problemas entre os adeptos», conta ao Maisfutebol. «Só havia bocas e conversa quente. Mas, entretanto, o Sp. Braga cresceu muito, não tem nada a ver com o Braga do meu tempo. Talvez por isso a rivalidade tenha aumentado e seja frequente haver problemas nestes jogos.»

Minhoto de gema é José Barroso. 11 temporadas na primeira divisão a representar o seu Sp. Braga, tardes e noites de sacrifício diante do Vitória de Guimarães também. Se há alguém a saber o que é este derby, ele é o ex-médio do pontapé canhão.

«É um jogo diferente por ser essencialmente bairrista. Já não há muitos assim em Portugal. Tem sempre intensidade alta, são duas cidades muito próximas e isso sente-se até no trabalho semanal, sobretudo por aqueles jogadores formados no clube», conta ao nosso jornal.

«Nos anos 90 todos os jogadores queriam ir para o Vitória»

Karoglan não tem problemas em assumir que, na década de 90, «o Sp. Braga era fraquinho». O Vitória reinava de lança e escudo, senhor de todo o Minho. «Todos os jogadores queria ir jogar para o Vitória», confessa Karoglan. «Lembro-me até que fizemos um dérbi em Guimarães para não descer, imagine... Conseguimos manter-nos na primeira divisão.»

«O Sp. Braga cresceu muito, imenso, não tem comparação com o meu tempo», adverte Karoglan, 48 anos. «Agora está quase a um nível de um Porto ou de um Benfica. Aliás, este é o terceiro maior jogo do futebol português, atrás do F.C. Porto-Benfica e do Sporting-Benfica. Foi ficando maior com o tempo.»

No campeonato nacional, Mladen Karoglan fez dois golos ao Vitória com a camisola do Sp. Braga. Curiosamente, a sua memória mais forte não envolve nenhuma dessas partidas.

«Lembro-me de um ano em que fomos jogar a Guimarães e estivemos a ganhar até muito perto do fim. Era António Oliveira o treinador. No fim, o Vitória acabou por empatar. E lembro-me bem porque falhei dois ou três golos feitos que podiam ter matado o jogo.»

A tragédia de Pedro Lavoura com Miki Fehér na história

José Barroso desfia uma tragédia ao falar do dérbi que mais o marcou. Vivia-se o Verão de 2000, Braga e Guimarães preparavam a estreia no campeonato quando a tragédia bateu à porta do balneário arsenalista.

«Era a primeira jornada no campeonato, jogávamos em casa com o Guimarães. Tinha perdido há poucos dias um amigo, o Pedro Lavoura, falecido num acidente de viação. Todo o plantel entrou em campo para lhe dedicar a vitória e ganhámos por 1-0», discorre Barroso, antes de completar com uma «coincidência macabra».

«O único golo foi marcado pelo Miki Feher, que depois também veio a falecer. Esse jogo marcou-me muito», desabafa o antigo internacional português, de 41 anos. Barroso jogou entre 1996 e 1998 no F.C. Porto, usufruiu de grandes conquistas, mas o dérbi minhoto ficou sempre num cantinho especial.

«Joguei o Porto-Benfica e era uma sensação diferente. Era um dérbi nacional, este era mais pequeno, mas não era menos intenso porque também são dois grandes clubes. Atualmente o Braga está muito superior ao V. Guimarães, não há a menor dúvida. Isso provoca algum ciúme no outro clube e a rivalidade também cresce com isso. Se um clube cresce acaba por levar o outro por arrasto.»