Lado B é uma rubrica que apresenta a história de jogadores de futebol desde a infância até ao profissionalismo, com especial foco em episódios de superação, de desafio de probabilidades. Descubra esses percursos árduos, com regularidade, no Maisfutebol:

A transferência milionária de Carlos Bacca agita manchetes em Itália. Perdido Jackson Martinez para o Atlético Madrid, o AC Milan aposta tudo nos golos do compatriota do ex-capitão do FC Porto.

Bacca vive à velocidade que faz golos: depressa, muito depressa. Chegou à Europa em 2011, para o Club Brugge, e em quatro anos ganhou acesso à restrita galeria dos pontas-de-lança de excelência.

Não é preciso recuar muito mais no tempo para ver Carlos Bacca a picar bilhetes num autocarro ou a lançar a rede em mais uma pescaria.

Bacca teve uma infância duríssima e tornou-se futebolista profissional só em 2009, no Junior Barranquilla. Tinha 22 anos. O que está para trás é uma narrativa de sobrevivência, de luta e de pobreza extrema. Apoiada, sempre, pelo distante sonho de um dia triunfar no mundo da bola.
 

O pequeno campo de San Francisco, onde Bacca jogou

Tudo começa na pequena cidade de Puerto Colombia, parte da Área Metropolitana de Barranquilla. Venha connosco nesta viagem ao passado sofrido de Bacca.

Eloísa e Gilberto, os pais de Carlos, habitam uma pequena casa de duas assoalhadas no Bairro Norte 2. Gente humilde, de trabalho, mas de parcas posses. O soldo mensal permite comprar os produtos básicos para a alimentação e pouco mais.    

Carlos salta de casa para a escola e da escola para o campo de San Francisco. Poeirento, irregular, sem condições mínimas mas com uma localização fantástica: fica a 25 metros da janela do quarto do petiz.

«Muitas vezes ele só comia à noite. Tomava um copo de leite quando acordava, passava o dia todo em jejum e à noite jantava», conta Eloísa, quase envergonhada.  

«Na escola era inteligente, mas indisciplinado. Nós queríamos que aprendesse inglês e o Carlitos respondia sempre o mesmo: ‘para quê, nunca vou sair de Puerto Colombia’».

Até aos 20 anos, de facto, Carlos Bacca não conhece nada além do sítio onde nasce e cresce.

«Um dia chegou perto de mim», recorda o pai, «e disse que queria ajudar a família». «Tornou-se cobrador de autocarros e pescava comigo todos os dias no molhe de Puerto Colombia».
 

Carlos Bacca pescou muitas vezes neste molhe

O futebol é uma mera brincadeira, um entretimento inocente na vida de Bacca. Mas os dias de pescaria e de cansaço com suor nos autocarros acabam de forma abrupta.  

«As portas de futebol estavam fechadas, mas certo dia um amigo do meu pai desafiou-me a ir treinar ao Junior Barranquilla. Eu tinha 20 anos e pouca experiência. Gostaram de mim, tive muita sorte. Depois fui emprestado aa vários clubes pequenos e só em 2009 voltei ao Júnior. Tudo mudou para mim e para a minha família»
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Carlos larga a empresa de transportes, deixa de ter o cheiro a peixe nas mãos e aposta tudo no futebol. Em três anos faz 45 golos no Junior Barranquilla e chama a atenção do futebol europeu.

«Vivi uma infância dura, difícil, os meus pais não tinham recursos, mas deram-me uma excelente educação. Sabia que não lhes podia falhar e agarrei a oportunidade com muita seriedade»
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Duas épocas no futebol belga (54 jogos/31 golos), mais dois anos de sonho em Sevilha (108 jogos/48 golos) e a transferência milionária para o AC Milan.

Pescador, cobrador de bilhetes, goleador. Uma vida vertiginosa, como as bancadas do San Siro.