Lado B é uma rubrica que apresenta a história de jogadores de futebol desde a infância até ao profissionalismo, com especial foco em episódios de superação, de desafio de probabilidades. Descubra esses percursos árduos, com regularidade, no Maisfutebol:

Necocli é uma cidade aparentemente paradisíaca, uma das mais antigas da Colômbia, banhada pelo golfo de Urabá.

Próximo da fronteira com o Panamá, o porto da localidade tem enorme importância na rota do narcotráfico e as suas gentes têm sofrido nas últimas décadas com a violência de traficantes, guerrilhas e grupos paramilitares.

Foi ali que nasceu Juan Guillermo Cuadrado, atual jogador da Fiorentina e da seleção colombiana, em 1988. Quatro anos depois, estava já habituado a um cenário de terror. Os pais diziam-lhe para se esconder debaixo da cama do seu quarto quando ouvisse tiros.

Juan Cuadrado fez isso mesmo, numa qualquer noite de 1992, perante o anúncio da chegada de um grupo armado.

De lá ouviu os disparos das metralhadoras e os gritos da mãe, a que juntaria os seus. O seu pai Guillermo, motorista de um camião de entrega de refrigerantes, estava morto.

Pouco se sabe sobre este assassínio, apenas mais um entre milhares. Poderiam ter sido Los Urabeños, a organização paramilitar que cresceu no norte do país e chegou a toda a Colômbia, ou quaisquer outros. Estaria relacionado com tráfico de droga ou com a posse ilegal de terras, uma prática frequente? Ou uma mera disputa pontual, resolvida à lei da bala?

Para Juan e a sua mãe, Marcela, ficaram as dúvidas e o eterno luto.

«Talvez por causa da morte prematura do pai, o Juan teve de amadurecer mais rapidamente e hoje em dia é o homem que é, sempre humilde», resumiu Marcela, anos mais tarde.

A mãe de Juan Cuadrado não teve sequer tempo para lamentar o triste destino. Foi trabalhar para garantir a subsistência: apanhava, lavava e empacotava bananas para exportação. O filho, com apenas quatro anos, queria ajudar e acompanhava regularmente Marcela, dedicando-se à colocação dos pequenos autocolantes nas bananas.

A luta pela sobrevivência com uma paisagem deslumbrante. 
 
O amor de Juan pelo futebol já andava por lá, desde cedo, e Marcela fazia tudo para alimentar o sonho. Pagava uma mensalidade para ter o jovem na Escola de Futebol Mingo, em Necoclí, enquanto trabalhava de dia e estudava de noite para garantir um futuro melhor.

A certa altura, o esforço foi recompensado: a mãe de Juan Cuadrado recebeu uma proposta para tomar conta de uma geladaria em Apartadó, levando o miúdo para a escola Manchester Fútbol Club daquela localidade. Ele começava a destacar-se.

Quando Marcela regressou a Necoclí, os professores da escola Manchester Fútbol Club de Apartadó convenceram-na a deixar o jovem por ali, vivendo numa pensão, para continuar a evoluir.

Juan tinha 13 anos e jogava no modesto Atlético Urabá quando foi descoberto por Agustin Garizábalo, um reputado olheiro do Deportivo Cali. Fredy Montero e Felipe Pardo, entre outros, também passaram pelas mãos de Garizábalo

O olheiro chamou Nélson Gallego, outro nome famoso no futebol colombiano, e este ficou encantado com Juan Cuadrado. Admirava a sua incontestável qualidade técnica, embora a fraca compleição física fosse um problema evidente.

«Juan tinha 13 anos quando o conheci e media apenas 1,35 metros», recordou Gallego. Tinha crescimento retardado. Nesta altura, o jogador da Fiorentina tem 26 anos, 1,76 metros de altura e 66 quilos de peso.



Nélson Gallego não hesitou, ainda assim. Convenceu a mãe do adolescente e levou-o para Cali, assumindo o papel de um pai, a referência masculina que Juan perdera com 4 anos.

Juan Cuadrado não ficou no Deportivo Cali nem teve sorte nos testes realizados em vários clubes da Argentina, entre eles o Boca Juniors. Todos achavam que o jovem não ia crescer.

«Tive de o motivar a fazer coisas básicas e elementares como abdominais, porque ele era muito delgado, muito fraquito», reconheceu Nélson Gallego. Para além disso, converteu o avançado num médio polivalente. Aliás, as portas abriram-se de vez quando o Independiente de Medellín precisava de um lateral direito e Gallego recomendou  Cuadrado ao técnico Juan José Peláez.

Foi com a camisola do Independiente, onde se cruzou com Jackson Martínez, que o jovem de Necocli fez a sua estreia na primeira divisão colombiana, em setembro de 2008. Seria ali, igualmente, que evoluiria sobre o comando de Santiago ‘Sachi’ Escobar, sucessor de Peláez e irmão do malogrado Andrés Escobar, o internacional colombiano assassinado após o Mundial de 1994.

A Udinese contratou o jogador de 19 anos alguns meses mais tarde. Juan Cuadrado rumaria a Itália, passaria por Lecce e Fiorentina por empréstimo até assentar bases em Florença. A mãe acompanha-o.

«Estamos a recuperar o tempo que perdemos quando ele era mais jovem. Eu tive de ser forte para dar-lhe todas as possibilidades de alcançar o seu objetivo. Vendo o seu sonho realizado, sou a mãe mais feliz do mundo», resumiu Marcela, já em Itália.

Juan Cuadrado chegou ao topo sem esquecer os que não tiveram a mesma sorte. Por isso, criou uma marca de jeans onde emprega ex-amigos e uma fundação para crianças desfavorecidas de Necoclí, a sua terra natal, e do problemático bairro La Sierra, em Medellín.