Bujumbura, capital do Burundi. Urbe dilacerada pela guerra entre Hutus e Tutsis. Mais de 300 mil mortos, um rasto de destruição insuportável, destroços de vidas corrompidas e sonhos mortos à nascença.

Cenário apocalíptico, desolador. O pequeno país africano, vizinho de Ruanda, Rep. Dem. Congo e Tanzânia, agoniza durante 12 anos. A fuga é, para muitos, a única salvação possível. Neste colossal grupo de refugiados surge a esperança para a família de Saido Berahino.  

Os golos marcados ao serviço do West Bromwich Albion – e já são oito, entre a Premier League e a League Cup – escondem uma história verdadeiramente dramática, comovedora mas, e é o melhor de tudo isto, com um final feliz.

O final é o presente, feito de grandes exibições, a presença no topo de melhores marcadores e as chamadas à seleção de sub21 de Inglaterra. [nesta quinta-feira, aliás, foi convocado para a seleção principal] Os capítulos anteriores são, nas palavras do próprio Saido, «assustadores».  

«Era um pesadelo. Não comia, não dormia, limitava-me a resistir», contou o avançado de 20 anos, numa entrevista ao site das Nações Unidas.   

Nesses dias sangrentos, o futebol era a única ligação a uma vida minimamente digna. O pai morreu, assassinado, a mãe escapou dois anos antes, Saido ficou entregue aos cuidados de familiares e amigos. E sobreviveu para contar.

«Não percebia o que se passava. Era muito pequeno. Só me lembro de ter muito medo».

«Hat-trick» de Berahino na estreia pelo WBA:



O futebol, dizíamos, tornava tudo menos hediondo. «Nas ruas de terra, às vezes num jardim, no cimento, tudo servia para correr e jogar com os meus amigos. Não havia internet, Playstation 3 ou outros brinquedos. Tudo o que tínhamos era uma bola de trapos, colada com fita adesiva».

A libertação de Saido Berahino é, ela própria, uma epopeia destinada à Sétima Arte. De mão dada com outra criança de dez anos, Berahino percorre quase dez quilómetros, passa pela Tanzânia e chega ao Quénia, onde apanha um avião para Inglaterra.

A mãe esperava-o em Newton, na área metropolitana de Birmingham. «Eu não falava inglês, levaram-me para uma esquadra da polícia. Tivemos de fazer um teste de ADN para confirmar a nossa ligação de mãe e filho. Mas ainda demorou muito até ser autorizado a ir viver com ela», recorda Saido Berahino.

Em Birmingham, o menino do Burundi renasce. Abraça uma segunda vida. Troca o horror pela esperança, o trepidar da guerra pelo folhear dos livros, os gritos de desespero pelas vozes de professores e colegas.   

Na escola primária é-lhe atribuído um tutor e é com ele que começa a falar sobre futebol. Os jogadores, as equipas, a paixão pelo desporto. O novo amigo leva-o aos treinos do Phoenix United, uma equipa da região, e seis meses bastam para Saido despertar a atenção do WBA.

Aos 11 anos, no verão de 2004, Saido Berahino inicia uma carreira que o levaria, dez anos depois, a figurar entre as figuras-sensação da Premier League.

«Fiz muitos amigos, os treinadores ajudaram-me a integrar e a minha família só lhes pode agradecer. Se, há uma década, me dissessem que eu seria agora um dos melhores marcadores da Premier League, eu ia rir-me e dizer que estavam doidos».

Saido já pensa no Mundial2018 e na transferência para um grande do futebol inglês. Continua a ser um menino e a ter sonhos. No coração leva, para todo o lado, a saudade do pai e o amor pelo Burundi.

As memórias de Saido Berahino: