Havia o golo sofrido por Costa Pereira em San Siro, a oportunidade de Eusébio em Wembley, o penalty de Veloso e as meias a saírem em Estugarda. Tantos lamentos debaixo de uma frase de Bella Gutman, que se transformou em maldição e que se adaptou às circunstâncias europeias do Benfica. Apareceu de novo, nesta final da Liga Europa. A tormenta deste Benfica é tão gigante como a Paixão de Cristo. Lágrima de sangue atrás de lágrima de sangue até ao desespero. O clube voltou a perder uma final europeia, nesta noite, do mesmo modo que perdeu no sábado no Dragão. Que crueldade. O futebol, que raios! O Chelsea é o vencedor da Liga Europa.

Primeiro sinal

Os encarnados entraram muito longe do Dragão. Cabeça limpa, bola no pé e coragem. Muita coragem. Peito aberto e a aceitar um convite venenoso do Chelsea, uma equipa traiçoeira e que nesta prova apostou no contra-ataque. Os londrinos não mudaram nada, povoaram o meio-campo e apostaram no erro contrário.

Mas o Benfica estava bem. Queria acabar de vez com todas as penas, com todos os lamentos. Cardozo atirava de cabeça para fora, Gaitán ao lado e, depois, os primeiros sinais. Bola na área do Chelsea, tão boa, tão bela, mas os benfiquistas a escorregarem na hora do golo. Era um primeiro sinal do destino, um sinal dos céus negros, das trevas das quais o clube da Luz tentava sair. Em 15 minutos, a Arena foi toda encarnada. Quer no relvado, quer nas bancadas. O Benfica era superior, apesar de um apagadíssimo Rodrigo, a surpresa de Jorge Jesus que não resultou.

Os «blues» apareceram por volta dos 26 minutos, num remate de Oscar, para Gaitán, tremendo até ao último segundo, responder de trivela. Um dos srs Chelsea, Frank Lampard, teve, ainda assim, a melhor ocasião. Quando Artur fez uma gigantesca defesa a remate do médio inglês, parecia que, desta vez, a final ia ser do Benfica. Mas isso, eram apenas os deuses a enganarem os encarnados, que deviam ter saído com outro resultado para o intervalo.

Outra vez uma faca no coração

Em cinco minutos que tinha a segunda parte, sem alterações, o Benfica já tinha chegado duas vezes à baliza de Cech, que defendeu cabeçada de Salvio. Só que foi inglês o primeiro golo, na primeira partida do destino. O guarda-redes colocou na frente, André Almeida passou ao lado do corte e Garay também. Torres só parou quando passou por Luisão e Artur e fez o 1-0. Incrível, por esta altura, prenúncio para o que vinha aí. O teto do Arena estava aberto, mas ninguém adivinhava a tempestade.

Jorge Jesus arriscou quase tudo. Quis chegar rápido ao empate, tirou Rodrigo e meteu Lima, tirou Melgarejo e meteu Ola John. Gaitán passou para lateral esquerdo.

Na primeira vez que Cardozo combinou com Lima, Azpilicueta cometeu grande penalidade. O Tacuara foi fatal como sempre e igualou o encontro. O fumo vermelho que veio das bancadas soltou-se, as gargantas encarnadas tornaram-se roucas, a fé instalou-se, a paixão bateu ainda mais nos corações e a equipa, no relvado, precisava de não descuidar o lado esquerdo, o lado da vida, onde o peito palpita.

Com o 1-1, Cardozo, como Eusébio em 1968, teve nos pés o 2-1. Cech defendeu como o guarda-redes do ManUtd. Esta era uma história a tornar-se faca no coração, lentamente, a abrir ferida.

O Chelsea continuou à procura do contra-ataque, mas Gaitán estava a desempenhar um papel grandíssimo na cobertura a Ramires. Lampard atirou à barra, só para se pensar que a sorte, nesta noite, ia ser encarnada. Porque quem vê aquele pontapé na trave, pensa que sim, que todas as maldições acabam, que as trevas desaparecem e vem o sol brilhante, nasce um novo dia e o passado negro é só isso mesmo, uma coisa distante, que já não dói.

Mas depois os descontos voltaram a ser cruéis. Canto na direita, Ivanovic no ar e golo. Aos 90+3, num filme repetido. Acabou um sonho, não acabou a vida. Embora assim pareça.