Uma vitória por 1-0 na primeira mão nunca deixa uma eliminatória decidida. Mas pode e deve, por vezes, ser considerada um resultado do outro mundo. Foi o caso do Benfica-Dortmund: com exceção da incontornável final de Berna com o Barcelona, em 1961, raras vezes no seu historial europeu os encarnados sofreram tanto e viram conjugados em seu favor tantos fatores favoráveis para poderem festejar no fim. Na noite dos 500 jogos de Luisão, Mitroglou foi o símbolo da eficácia absoluta e EDERSON foi o herói com direito a maiúsculas, num jogo em que uma substituição defensiva de Vitória, ao intervalo, deu à equipa o fôlego de dez minutos, suficiente para ir à Alemanha em vantagem. E para acentuar a crise de identidade de um Dortmund que, valha a verdade, depois dos últimos jogos parece obrigado a ir à bruxa.

Depois de um início animador, em que o Benfica - com Rafa no lugar do lesionado Jonas e Salvio de volta ao onze - apareceu com linhas compactas e a vigiar bem o espaço nas costas dos centrais, a qualidade de circulação do Dortmund começou a impor-se e a sujeitar a equipa de Rui Vitória a um trabalho de acompanhamento posicional hiperexigente e ainda mais desgastante.

Com os passes de rutura de Raphael Guerreiro e a mobilidade de Dembelé a introduzirem os fatores de desequilíbrio no 3x5x2 montado por Tuchel, o Benfica começou a beneficiar da noite desastrada de Aubameyang logo aos 11 minutos, quando uma perda de bola de Pizzi permitiu ao gabonês aparecer na cara de Ederson e rematar por cima.

Podia ter sido um lance fortuito, mas não era: pelo contrário, representava as dificuldades sentidas por Pizzi sempre que conseguia ficar com a bola. Pressionado por Weigl e pelos interiores do Dortmund, sempre com os apoios longe, o principal organizador de jogo dos encarnados era sistematicamente abafado e não conseguia ativar a dinâmica ala direita formada por Nélson Semedo e Salvio.

Foi, assim, uma primeira parte de sentido único, tanto pelo facto de o Dortmund ter monopolizado a posse de bola no meio-campo encarnado (61-39%) como pelo facto de o Benfica não ter encontrado solução para a solidão de Pizzi, sempre com um metro a mais para cobrir e uma fracção de segundo a menos para decidir bem.

Depois do falhanço incrível de Aubameyang, foi a vez de Dembelé ver o golo negado por um bloqueio providencial de Lindelof (24 minutos) e de Aubameyang chegar atrasado, por milímetros, a um passe com açúcar do excelente Raphael Guerreiro (39 minutos), E quando Rizzoli fez vista grossa a um claro derrube de Ederson a Dembelé, junto à lateral da área encarnada (41 minutos), começou a pensar-se que, improvavelmente, com os deuses todos do seu lado, o Benfica poderia chegar ao intervalo sem sofrer golos. Face ao que estava a ser o jogo, essa era a melhor das notícias.

Filipe Augusto: um passo atrás para chegar lá à frente

Sem a qualidade de Jonas para segurar a bola na frente – Rafa esteve longe de fazer esquecer o brasileiro - e com Carrillo apagado, Rui Vitória pensou que a sorte poderia não durar sempre – mal ele sabia o que estava para vir… - e optou, bem, por mexer ao intervalo, trocando o peruano por Filipe Augusto.

Se há exemplo futebolístico para a ideia de dar um passo atrás para poder dar dois à frente este foi um deles. A transformação foi instantânea porque, com o brasileiro a juntar-se a Fejsa no apoio, Pizzi pôde aparecer em zonas mais adiantadas e conseguir finalmente algumas combinações com Salvio, que valeram dois cantos aos encarnados nos minutos iniciais do segundo tempo. No segundo deles, Pizzi cobrou para a cabeça de Luisão, e o oportunismo de Mitroglou, a dois tempos, prosseguiu o desenho de uma noite perfeita na Luz (49 minutos).

Em vantagem na primeira ocasião digna desse nome, o Benfica voltou ao modo-sofrimento e foi então que o jogo ganhou dois protagonistas incontornáveis. O primeiro foi Aubameyang, que falhou mais um golo feito aos 54 minutos, e culminou uma das noites mais negras da ilustre carreira falhando um penálti quatro minutos mais tarde. Quando Thomas Tuchel lhe acabou com o sofrimento, trocando-o por Schurrle (62 minutos), já outro protagonista sobrevoava a noite miraculosa da Luz inscrevendo o seu nome em maiúsculas numa das vitórias mais sofridas do historial europeu dos encarnados: Ederson, que negou golos feitos aos alemães aos 52, 54, 56 e 58 minutos, culminando uma noite em estado de graça com um voo de filme, para desviar um remate de Pulisic (84 minutos) que tinha tabelado no recém-entrado Jiménez.

Por essa altura, Rui Vitória já tinha refrescado o que podia, lançando Cervi e o mexicano, sempre na esperança de que o Benfica conseguisse uma segunda aproximação perigosa à área de um Dortmund cada vez mais desmoralizado pela arrasadora série de acontecimentos. Tal não aconteceu e, convenhamos: se vencer este jogo por 1-0, na única oportunidade, já era um cúmulo de eficácia, conseguir ir mais além numa noite feita de 80 minutos de sofrimento seria algo ainda mais sobrenatural do que esta espécie de atropelamento em que o peão escapou ileso e o carro é que ficou a sofrer.

Agora, fica a certeza de mais uma noite de sofrimento intenso, em Dortmund, e a quase certeza de que dificilmente o Benfica voltará a ser tão feliz como esta noite. Por isso, o mais prudente será não confiar na sorte e assegurar que Pizzi não vai sentir-se tão desacompanhado e vulnerável como em toda aquela interminável primeira parte.