Com muito mais sofrimento do que o esperado, e 15 minutos tontos e febris que atenuaram a imagem de superioridade deixada nos outros 165 da eliminatória, o Benfica carimbou a passagem aos quartos de final da Liga Europa, cumprindo pela quinta vez os «mínimos olímpicos» na UEFA, durante a era Jorge Jesus. Mas o empate (2-2) com o Tottenham serve de aviso e castigo pelo adormecimento que resultou num despertar atarantado nos minutos finais: o prolongamento passou bem mais perto do que seria aceitável.

Jorge Jesus apostou num onze de gestão, com a particularidade de um meio-campo português, onde Rúben Amorim fazia de Fejsa e André Gomes de Enzo. O tempo dado a Sulejmani, Djuricic e, principalmente, a um Salvio a caminho da forma, alimentavam as expetativas para um jogo que, face à vantagem da primeira mão e às ausências de vulto nos ingleses se anunciava controlado e sem grande rasgo.

A segunda mão começou como tinha terminado a primeira: com Luisão como protagonista. Primeiro num cabeceamento perigoso, após o primeiro canto a favor do Benfica (9 minutos), depois ao ver o amarelo no lance seguinte, por derrubar Soldado quando este já tinha ganho o espaço nas suas costas. Mas esse foi um dos poucos elementos comuns ao jogo de Londres: a partir daí os dois golos de diferença tiraram intensidade aos de vermelho e convicção aos de branco, e as coisas arrastaram-se com pouco interesse até por volta da meia hora.

Nesse período, o Benfica instalou-se atrás e deixou a baliza de Friedel em pousio. A ideia era baixar o ritmo e fazer inícios de construção prudentes, até haver pretexto para os passes de ruptura de André Gomes ou Sulejmani explorarem o espaço nas costas da defesa improvisada do ingleses. Fazia sentido mas não resultava, em parte porque os passes não saíam calibrados, em parte porque Djuricic não acertava o tempo de definição dos lances e, enfim, porque este tipo de jogo com defesas tão subidas encaixa mal nas características de Cardozo quando o paraguaio é referência na frente.

Assim, foram do Tottenham as duas situações mais perigosas desses minutos, com Soldado, por duas vezes, a rematar por cima na área. Mas se estes lances poderiam, com outro desfecho, entreabrir uma porta para a discussão da eliminatória, a fragilidade inglesa nas bolas paradas defensivas voltava a fechá-la. Aos 34 minutos, na segunda vaga após um canto para o Benfica, a bola voltou à direita, onde Salvio ganhou um ressalto e embalou pela linha de fundo, servindo um caviar para a cabeça de Garay, que lhe fez justiça.

O terceiro golo do argentino em dois jogos - e, principalmente, o sexto golo dos centrais encarnados nas últimas quatro partidas - confirmava um filão que não parece perto de esgotar-se. Mas, acima de tudo, deixava a eliminatória com um 4-1 que parecia não admitir mais discussão. Assim, à medida que o intervalo se aproximava, o ímpeto inglês ia sumindo, e a alegria de jogar de Salvio, o senhor Liga Europa, passava a estar no centro das atenções – o encontro, esse, parecia definitivamente arrumado na prateleira das coisas mornas.

Sair do autocarro em andamento

Com pouco que contar até aos 75 minutos, para quem via de fora, a segunda parte parecia transformada num exercício de avaliação às alternativas de Jesus. Se Salvio e Rúben consolidavam fortes candidaturas ao onze, Cardozo era um peixe fora de água. E entre Djuricic e Sulejmani os pormenores técnicos alternavam de forma frustrante com iniciativas desperdiçadas e passes sem destino.

Mas isso era cá fora. Lá dentro, as coisas devem ter parecido tão controladas que o Benfica, sonolento, perdeu a pouca objectividade que tinha, tentando transformar os acontecimentos num exercício de gestão. E, quando as substituições vieram a agitar o jogo, o futebol veio lembrar-nos a mais velha das verdades, aquela que nunca deixou de manifestar-se em mais de 100 anos de história: tomar algo por certo antes do final é uma arrogância que muitas vezes tem castigo.

Assim, quando Chadli marcou num belo remate de fora da área (78 minutos) despertando os também sonolentos adeptos ingleses, o jogo ganhou um caminho imprevisto, reforçado com o segundo golo do belga, no instante seguinte. De súbito, o Benfica era como um passageiro que saiu do autocarro em andamento e percebeu que tinha lá deixado a carteira. Voltar a subir, nestas circunstâncias, é especialmente complicado.

Assim, nasceram 15 minutos finais dos mais febris que há memória, em que Oblak, por duas vezes, e a vista grossa do esloveno Skomina a um penálti de Sulejmani sobre Kane impediram o 1-3 e a igualdade na eliminatória. Foi já no último lance que a Luz respirou de alívio, com Lima, entrado para a vaga de Cardozo, a ganhar um penálti a Sandro e a convertê-lo com a frieza que a equipa já não tinha. O apuramento ficava fechado, e era, no conjunto dos dois jogos, profundamente justo. Tão justo como o sofrimento por que o Benfica passou, por culpa própria, ao esquecer-se de que o futebol não gosta de sobrancerias. E de que sair de um autocarro em andamento é meio caminho andado para um acidente.