De Manchester para Estocolmo, uma sombra sobre a decisão da Liga Europa. O atentado num concerto na noite de segunda-feira que causou pelo menos 22 vítimas na cidade inglesa já marcou a final. Aconteceu longe da Suécia, mas perto da equipa do Manchester United, na sua cidade. Mas há uma final para jogar e é uma final que olha para o futuro.

Não aconteceu desta vez num evento desportivo, mas num espectáculo para uma audiência de jovens e crianças, uma tragédia a que é impossível ficar indiferente. Os jogadores do United acordaram na véspera da final sob o choque, que partilharam em mensagens nas redes sociais e no minuto de silêncio em Carrington pela manhã, antes do treino.

O clube cancelou a conferência de imprensa que deveria fazer ao final da tarde em Estocolmo e, em Manchester, toda a atividade comercial à volta de Old Trafford: encerrou a loja, o museu, as visitas ao estádio.

Mais perto da Manchester Arena, o local do atentado, o estádio do Manchester City serviu de base de apoio às famílias das vítimas.

Ao final da manhã o United deixou uma cidade em choque, rumo à Suécia, a tentar concentrar-se na final. «Estamos todos profundamente tristes com os trágicos acontecimentos ocorridos na noite passada. Não podemos tirar das nossas cabeças e dos nossos corações as vítimas e as suas famílias», escreveu José Mourinho num comunicado. «Temos um trabalho e vamos viajar para a Suécia para fazer esse trabalho. É uma pena que não possamos viajar com a alegria que temos sempre antes de um jogo grande. Sei, mesmo estando aqui há pouco tempo, que as pessoas de Manchester vão unir-se», acrescentou.

O Ajax também começou o dia com uma mensagem de solidariedade para Manchester.

Ao final da tarde, o treinador do Ajax expressou o sentimento geral. «Terrível o que aconteceu. Tinha tudo para ser uma grande festa do futebol, mas estes incidentes tiram brilho. Claro que ambos vamos jogar para ganhar, mas não vai ser a festa que todos esperavam», disse Peter Bosz.

A equipa do Ajax também respeitou um minuto de silêncio antes do treino de adaptação à Friends Arena.

A UEFA deixou condolências às vítimas, num comunicado em que anunciou que a final se jogará sob medidas de segurança adicionais depois do atentado de Manchester, mas garantiu não ter informações de que «qualquer uma das atividades associadas à final da Liga Europa possa ser alvo de ataques».

Nesta quarta-feira, na Friends Arena, haverá um minuto de silêncio. E depois a final que decide quem sucede ao Seviha, vencedor das três últimas edições, e junta dois históricos, tão diferentes.

A história e Mourinho, o talento, a juventude e as coincidências

De um lado o peso pesado Manchester United treinado pelo peso pesado José Mourinho, três vezes campeão europeu o clube, duas vezes o treinador. À procura do único título internacional que o United nunca ganhou, como repetiu tantas vezes ao longo da época Mourinho, ele que também já ganhou esta, em 2003 com o FC Porto, quando ainda se chamava Taça UEFA.

Mourinho procura, portanto, o seu quarto título europeu. Ganhou todas as finais que jogou, se não entrarem nestas contas as duas Supertaças Europeias que perdeu, com o FC Porto e com o Chelsea. E é ele quem prolonga a presença portuguesa na decisão da segunda prova da UEFA, que ao longo deste século foi recorrente. Com duas vitórias para o FC Porto, em 2003 e 2011, duas finais perdidas para o Benfica, e jogadores lusos nas várias vitórias do Sevilha e, antes do At. Madrid.

O United chega à decisão de Estocolmo no fim de uma época que voltou a ser de menos na Premier League, ainda à procura de voltar ao patamar onde o deixou Alex Ferguson há quatro anos: desde então não voltou a conseguir terminar o campeonato nos três primeiros. Também não foi José Mourinho a chegar lá. Acabou em sexto, depois de ter começado a época a vencer a Supertaça inglesa, pelo meio também ganhou a Taça da Liga, mas viu cedo o campeonato fugir.

A partir de certa altura, limitado também por baixas e lesões como as de Ibrahimovic, Rojo, Luke Shaw, Ashley Young ou Bailly, Mourinho apostou as fichas na Liga Europa como caminho para chegar à Liga dos Campeões, prémio reservado ao vencedor. Um troféu que dirá muito, portanto, sobre o futuro do United para a próxima época, mesmo que dificilmente deixe de saber apenas a consolação para os adeptos do clube.

Do outro lado o Ajax, quatro vezes campeão europeu mas há tanto tempo longe destes palcos, Mas agora com uma equipa a fazer renascer o espírito que é a imagem do clube. Juventude e talento. A equipa que entrou em campo há uma semana para a última jornada do campeonato holandês tinha média de idade de 20 anos. Média.

Uma mão cheia de promessas que entusiasmam, como o dinamarquês Kasper Dolberg, que cresceu a aprender com Dennis Bergkamp, ou Bertrand Traoré, cedido pelo Chelsea, ou o alemão Amin Younes, mais o defesa Matthijs de Ligt e ainda Justin Kluivert. 

Sim, o avançado de 18 anos é filho de Patrick. E isso só alimenta as comparações. Patrick Kluivert foi o autor do golo que deu a Liga dos Campeões aos miúdos do Ajax que encantaram a Europa em 1995, na última conquista europeia do clube.

Uma equipa orientada por Van Gaal, formada essencialmente por jogadores saídos da formação do Ajax, gente que viria a dar muito que falar por muito tempo. O onze do Ajax nessa vitória sobre o Milan (1-0) era este: Van Der Sar, Reiziger, Danny Blind, Frank de Boer, Rijkaard, Seedorf, Davids, Litmanen, Finidi George, Ronald de Boer, Overmars.

Já agora, no United está hoje outro «filho» daquele Ajax: Daley Blind, o descendente de Danny. 

Mais uma coincidência: faz exatamente 22 anos neste 24 de maio que esse Ajax, no final de uma campanha incrível até à final que incluiu uma vitória sobre o Bayern Munique por 5-2 nas «meias», ganhou aquela Liga dos Campeões.

A campanha na Liga Europa deste Ajax de Peter Bosz já ganhou o direito a essas comparações e à expectativa. Também ela com um gigante pela frente, e uma ideia de futuro.