Foi o Astana que calhou em “sorte” ao Sporting neste regresso à Liga Europa, após um terceiro lugar na Champions, num grupo com Barcelona e Juventus. Os tetracampeões do Cazaquistão não são um colosso europeu, nem tão pouco são uma das equipas mais fortes que poderia ter calhado a Jorge Jesus e companhia.

Só que um jogo contra o Astana acarreta várias dificuldades, que não estão relacionadas com os pupilos de Stanimir Stoilov.

Jogar com os cazaques faz com que o Sporting iguale o Benfica na mais longa viagem das competições europeias, viagem feita a meio de uma semana com dois jogos para a Liga Portuguesa, ou seja, um desgaste físico extra. Depois há a questão do frio (temperaturas negativas embora o jogo se vá realizar com o teto do estádio fechado) e, a principal, o sintético. O duelo da 1ª mão será jogado num tapete sintético e só isso já tirou Mathieu do jogo, já que Jesus não quer arriscar uma lesão do francês.

Mas nem tudo é negativo, já que jogar com o Astana em fevereiro significa jogar frente a uma equipa que está em pré-época, pois acabou o campeonato em novembro e apenas começa a nova época em março. A equipa de Stoilov não tem ritmo de jogo e os leões podem e devem aproveitar esse fator.

Para além de ritmo, o Astana perdeu duas peças importantes na manobra da equipa neste defeso: Kabananga, o goleador e estrela da companhia rumou às Arábias, e Grahovac, habitual titular no meio-campo, que saiu para o Rijeka, compensando a saída de Misic…para o Sporting.

Onze-provável

Stoilov, que no passado representou o Campomaiorense, é treinador do Astana desde 2014 e um dos responsáveis pelo tetracampeonato cazaque. Organiza preferencialmente em 4-3-3, mas ocasionalmente, perante equipas mais fortes (como se viu com o Villarreal na fase de grupos), altera para 5-3-2.

Pelo que foi possível analisar da pré-época, sobretudo nos últimos em jogos com Hacken, Shandong Luneng e Liaoning, o Astana deve mesmo apresentar-se em 4-3-3, até porque nunca experimentou o sistema alternativo e Stoilov afirmou após os jogos que estava a preparar a equipa para a eliminatória com os leões.

Assim sendo, os cazaques vão jogar com o figurino habitual e que… só poderá incomodar os leões, se os jogadores de Jorge Jesus não vestirem o fato-macaco e usarem um de gala.

Os cazaques viviam muito da inspiração da dupla Twumasi (extremo-direito) e Kabananga (avançado), que foi desfeita.

Sem Kabananga, o Astana perdeu o goleador, o melhor jogador e um dos grandes responsáveis pelo apuramento. Os dois marcaram 7 dos 10 golos da equipa, dado que diz muito da relevância da dupla.

E mais do que os golos, sem Kabananga o Astana muda a forma de atacar, já que perdeu o homem que mais desequilibrava, que tornava lances inofensivos em golo, que acrescentava poder de fogo da meia-distância (2 golos de bombas fora da área) e que dava ao Astana qualidade no ataque à profundidade e no tratamento da bola.

No seu lugar deverá jogar Despotovic, um avançado completamente diferente do congolês. O sérvio marcou apenas um golo pelo Astana na última época e é um ponta de lança de área, de finalização ao primeiro toque, agressivo e com menos mobilidade que Kabananga.

Eis dois exemplos de como Kabananga e Twumasi tornavam em golo, lances inofensivos, sobretudo com remates de longe.

Pressionar, ganhar e apontar à baliza

Apesar dessa alteração, o elenco não mudou quase nada e as ideias devem manter-se. Ao contrário do que se possa pensar, o Astana não é uma equipa que utiliza muito o físico e que vive da luta.

Stoilov dá privilégio à bola e note-se que o Astana tenta partir de trás, mesmo demonstrando dificuldades na construção e na entrada no sistema do adversário. Com o Sporting deve perspetivar-se uma maior contenção e talvez uma tendência para esticar mais vezes o jogo, sobretudo pela direita por Twumasi.

Kleinheisler, médio húngaro que foi pouco utilizado na última época, pode ser um grande implemento para o jogo dos cazaques, ele que tem vindo a ser testado na equipa titular como interior esquerdo. Kleinheisler lê bem o jogo e tem uma assinalável qualidade de passe e de jogo entre linhas, contrastando com o outro médio interior, Beisebekov, que é mais útil na pressão, na reação à perda e sobretudo na compensação pelo lado direito na falta de capacidade defensiva de Twumasi. Também poderá alinhar o reforço Stanojevic, que gosta mais de ter a bola e construir, mas que não serve de tampão de forma tão eficaz como Beisebekov, que é um lateral direito de raiz.

Embora Stoilov privilegie a bola pelo chão e a construção por trás, com saída pelos centrais e tentativa depois de ligação entre médios e laterais/extremos, o Astana é muito mais perigoso quando recupera após pressão ainda no meio-campo adversário, simplificando processos.

Dois centrais começam a construção, um dos médios junta-se ao médio defensivo para receber, enquanto o outro se adianta para perto do avançado. O passo seguinte é normalmente a ligação para as linhas. 
Aqui está: médio defensivo recebe dos centrais e vai ligar ao interior, com o outro médio junto ao avançado.

A pressão é talvez a principal característica do Astana: Stoilov pede aos seus jogadores que pressionem muito alto e várias vezes é possível ver os dois interiores a pressionar perto do avançado. Com o Sporting é expectável que possam jogar mais recuados e evitar pressionar tão em cima, mas nos jogos de preparação têm usado e abusado dessa pressão.

Dois médios interiores (assinalados na imagem) a pressionarem logo à saída da área adversária. Caso não resulte fica muito espaço para o adversário jogar.
Dois médios interiores (assinalados na imagem) aproximam-se do extremo e lateral que aproveitaram um erro do adversário para pressionar.

A pressão é feita de forma agressiva e, se a recuperação acontecer, prioridade para a velocidade de Twumasi (extremo-direito) ou dos dois laterais Shomko e Shitov (muito disponíveis para atacar).

Nestes lances, o Astana é muito objetivo e simples, chegando com poucos toques à baliza adversária. Marcou dois golos assim na fase de grupos da Liga Europa, ambos resultantes de recuperações pela direita. Se a pressão não resultar, então cria-se um espaço enorme entre as linhas e que normalmente os adversários aproveitam - uma das principais debilidades da equipa.

É este um dos pontos que o Sporting pode aproveitar, com jogadores exímios a jogar em velocidade e entre as linhas.

Uma linha defensiva que cria os seus próprios buracos

Se no ataque perdeu a estrela, na defesa não houve melhorias e estas eram bem precisas.

O Astana sofreu sete golos em seis jogos na Liga Europa, seis deles do Villarreal. As outras equipas do grupo eram o Slavia de Praga e o Maccabi Telavive, que juntas marcaram apenas um golo, mas que criaram inúmeras oportunidades claras, mas foram pouco eficazes.

Aliás, na defesa há pouco a elogiar.

Se os laterais são muito importantes no processo ofensivo, deixam muito a desejar no processo defensivo, sobretudo na altura de transições ataque-defesa.

Shomko é o lateral esquerdo e um alvo a ter em conta quando o Astana tem a bola, quer quando recorrem a ele para ir cruzar à linha, quer quando arranca em lances individuais pelo corredor central, vindo da esquerda.

Aliás, uma das jogadas-tipo deste Astana é o cruzamento da esquerda de Shomko, um pouco antes da quina da área, para o espaço entre o lateral e central esquerdo do adversário, onde aparece Twumasi (ou quem jogar a extremo-direito) para finalizar.

Se a defender, os leões têm de estar atentos a Shomko, a atacar o Sporting tem de o ter também em conta. O cazaque quase nunca está em linha com os companheiros da defesa e vários dos golos que o Astana sofre resultam de bolas que entram no espaço entre ele e o central Anicic, que joga pela esquerda.

Para além desta debilidade defensiva - espaço lateral e central - há outra gritante: os centrais do Astana são pouco inteligentes e fáceis de enganar.

Como? Simples. Se o avançado sair da sua zona de ação, pelo menos um dos centrais vai atrás dele e cria-se um buraco na linha defensiva, que os laterais raras vezes corrigem. Os médios e extremos do Sporting podem facilmente aproveitar este espaço.

1.º Momento: Defesa em linha, aparentemente bem posicionados e a controlar o lance
2.º Momento: os dois centrais saem na pressão ao avançado, laterais continuam a recuar e bastou um toque ao lado do avançado para isolar o companheiro, que vinha de trás. Estas saídas na pressão dos centrais são constantes e criam enormes buracos na defesa.
Mais um exemplo: Anicic (assinalado a negro) tem mais uma saída a pressionar o avançado e cria um enorme espaço nas costas, aproveitado pelo extremo. Shomko (assinalado a vermelho) está completamente fora da linha defensiva e nem tempo tem para fechar o espaço criado pelo colega.
Mais um exemplo dessas saídas: central saiu na bola, lateral direito não fechou a ocupar espaço e a diagonal do extremo resultou na perfeição, ficando isolado na cara de Eric. O outro central está completamente desposicionado e já com a frente perdida para o adversário.
Aqui estavam a usar uma defesa a cinco: Anicic vem em esforço fechar o espaço entre si e Logvinenko (assinalado a preto na imagem), mas a bola acaba por passar. Ora, Anicic está desposicionado devido a uma pressão precipitada e depois Logvinenko está com os apoios frontais, o que o impede de reagir corretamente e perseguir o extremo do Villarreal, que recebeu o passe e foi para a baliza.

Há ainda mais algumas notas a ter em conta sobre este Astana:

- o veterano guarda-redes Nenad Eric não é um grande guarda-redes e tem muitas debilidades na saída a cruzamentos. Hesita muito sobre se sai ou não e muitas vezes fica a meio caminho. Não controla a profundidade, por isso o Sporting pode aproveitar a bola nas costas, quando o Astana subir as linhas.

- uso exagerado da meia-distância por parte dos homens da frente do Astana, que resultaram na fase de grupos sobretudo devido a Kabananga. Não pedem licença e basta um pouco de espaço para rematarem...quase sempre sem acerto.

- quando ganham a linha de fundo, a maior parte dos cruzamentos é feita pelo chão, para a entrada dos médios ou do avançado. Com Despotovic podem privilegiar mais o jogo aéreo.

- fortes nas bolas paradas ofensivas, com os centrais Anicic e Logvinenko a serem os que merecem mais atenção. Um golo cada um na fase de grupos. O primeiro ataca, normalmente, o segundo poste e Logvinenko o primeiro.

A FIGURA: Twumasi

Kabananga saiu e deixou-lhe a pasta de melhor jogador. O extremo-direito ganês marcou 22 golos na última época e só este registo é digno de atenção por parte de Coentrão. Muito rápido, forte no um para um e exímio no aproveitamento do espaço entre o central e o lateral. A esperança do Astana passará muito pelo que Twumasi conseguir fazer.

Começa pela direita, gosta de iniciar bem aberto para depois entrar em diagonais para o centro. Stoilov permite que não esteja tão preocupado com o processo defensivo e dá-lhe liberdade para várias vezes se juntar a Despotovic, sendo compensado pelo interior direito, e baralhar as defesas, mas nem sempre é eficaz. Anular Twumasi é meia eliminatória para o Sporting.