No dia em que não teve ponta por onde lhe pegar, o Sporting deixou várias pontas soltas. O que constitui boa parte da explicação para esta vitória.
 
Mas vamos por partes.
 
Antes de mais convém dizer que este sábado proporcionou uma espécie de reencontro da criatura com o criador. Sendo que a criatura é Jorge Jesus, e o criador o Barcelona.
 
Basicamente, e para os mais novos, convém lembrar que no início da carreira, o agora técnico leonino tinha um ídolo: Johan Cruijff. Era nele, e no modelo de jogo do Barcelona, que se inspirava para fazer do Felgueiras um das surpresas da época de estreia na primeira divisão.
 
 
Entretanto Jorge Jesus ficou mais velho. Amadureceu. Percebeu que mais importante do que copiar boas ideias, é ter ideias próprias, sobretudo se forem boas. Por isso colocou de lado as duplicações e criou conceitos só dele. 
 
Até que esta tarde voltou a lembrar o Barcelona.
 
Sem Slimani, que está castigado, e sem ponta de lança, até porque Barcos já está com a cabeça noutro lado, colocou Alan Ruiz a fazer de Messi: não era só um falso ponta-de-lança, era um muito falso ponta-de-lança. Tão falso que nem numa loja de reproduções alguém daria alguma coisa por ele. 
 
A partir daí tudo foi dinâmica. A equipa jogava pelas alas, criava combinações laterais, surpreendia pela mobilidade, confundia marcações, insistia por dentro e por fora, tornava enfim o campo maior.
 
Pressionava alto, recuperava a bola, tinha muita posse, empurrava o adversário para a retaguarda. Não se pode dizer que era um Barcelona, mas aqui e ali tinha coisas da equipa catalã, sem dúvida.
 
 
O que nos atira para a afirmação de início da crónica: no dia em que não teve ponta por onde se lhe pegar, o Sporting deixou várias pontas soltas.
 
Essencialmente por isto: quando joga Slimani, o futebol é diferente. O argelino serve de bússola, posiciona-se sempre à espera do cruzamento, recua no terreno e segura a bola, cai na direita e na esquerda, arrasta adversários, abre espaços, luta, choca com este e com aquele, desgasta centrais.
 
Sem ele, o Sporting não teve nada disso. Mas teve mais dinâmica, com Alan Ruiz sempre em movimento, com o apoio João Mário a cair na direita, na esquerda e a aparecer nas zonas de remate, com Bryan Ruiz, enfim, a partir da esquerda para trocar de posição com os dois da frente.
 
Não teve um ponta que pegasse no jogo, mas teve muitos pontas soltos, lá está.
 
O resto foi talento, pressão ofensiva e um fartote de ocasiões de golo. João Mário foi nesse sentido o mais perdulário, ele que foi também o melhor em campo: grande jogo, sempre no caminho da bola, um artífice de soluções e um criador de jogadas, mas também um finalizador de pontaria torta.
 
 
Saiu com Alvalade de pé e mereceu o aplauso com cheirinho a despedida.
 
De resto, refira-se, o Marítimo dispôs de duas excelentes ocasiões para marcar na primeira parte, em jogadas pela esquerda, que apanhou a direita do Sporting desprevenida, e João Pereira exposto.
 
Não marcou aí, na primeira proporcionou grande defesa a Rui Patrício, na segunda acertou com estrondo no ferro mais alto da baliza, e com isso traçou o destino: até porque o Sporting corrigiu as falhas ao intervalo e nunca mais a formação madeirense conseguiu rematar com perigo.
 
Contas feitas, vitória justa, até por números escassos, de um candidato que esta noite se vestiu de Barcelona: uma equipa cheia de pontas soltas.