A distância entre Madrid e Vila do Conde? 600 quilómetros e uma equipa, mais coisa menos coisa.

Quatro dias depois de uma das mais honrosas derrotas da história recente do clube, o Sporting viveu uma das mais copiosas da era Jorge Jesus. Skenderbeu à parte, não se conhece outra coisa assim.

Noite terrível do leão, noite de sonho do Rio Ave. Aguentou o jogo meia hora, trucidou o rival no quarto de hora seguinte e controlou depois. 3-1 foi o resultado: já não há equipas só com vitórias na Liga. E atenção ao Rio Ave: os mesmos dez pontos de FC Porto, Benfica e Sp. Braga, estes dois com menos um jogo.

Percebeu-se na antevisão que a noite de Madrid deixara Jorge Jesus ainda mais confiante. Tão confiante que nem teve problemas em, num campo tradicionalmente complicado para qualquer equipa, mexer em quatro peças do onze. Mudou laterais e dupla ofensiva: estreou André, recuperou Alan Ruiz. Pareceu haver alguma nota de sobranceria. O plantel é bom, há que gerir. Correu mal.

E correu porque do outro lado esteve uma equipa em grande estilo e com um jogador a roçar a perfeição. Gil Dias expôs, praticamente desde o primeiro minuto, todas as debilidades de Bruno César como lateral, e quando achou que o trabalho estava cumprido passou à ação efetiva: já com o Rio Ave a ganhar, inventou os golos do embaraço. Segunda e terceira machadadas no leão ainda inchado dos justos elogios de Madrid

Capucho, é preciso dizer, mostrou coragem desde o início. Sem Heldon, emprestado pelo rival desta noite, contrariou as indicações que apontavam para a entrada de um mais defensivo Pedro Moreira. A aposta foi Yazalde. Não é que o extremo tenha sido decisivo (foi o menos inspirado do ataque), mas a ideia é que vingou: havia que olhar o rival na cara.

E se a primeira meia hora, de domínio repartido, até deu a ideia de um Sporting controlador, embora sem o rigor de outras batalhas, a partir de um lance de génio de Roderick tudo mudou.

Pode parecer estranho, ou exagerado, para quem não viu o jogo, ler que foi Roderick, um central, a lançar o Rio Ave para uma noite memorável. Mas é a mais pura das verdades. E quem não viu, não perca tempo: o nó em Coates é uma das imagens mais fortes do jogo. A assistência para Tarantini foi perfeita, o remate letal. Minuto 29. Começava o descalabro.

Gil Dias: um espetáculo à parte

O pior quarto de hora da era Jesus no Sporting começava no improvável pé de Roderick, mas era desenhado, convém sublinhar, quase em autoridade total, por Gil Dias. O talento cedido pelo Mónaco apresentou-se ao país esta noite. E será, certamente, tema de conversa por estes dias.

Assinou o terceiro golo, após assistência de Guedes numa jogada por si iniciada, já depois de ter feito o inverso: dado a marcar ao colega. Naquele quarto de hora em que tudo correu bem ao Rio Ave e em que o Sporting se afundou num pântano, brilhou o futebol do jovem avançado.

Jesus já esperava ser apertado nos Arcos. Palavras dele. Mas nunca imaginaria tamanho desastre, certamente. Mudou no reatamento, lançando Bas Dost e Bryan Ruiz. Era tarde.

O Rio Ave da segunda parte só a espaços teve o brilho da primeira, mas não precisava. A vantagem era larga e, com o passar dos minutos, percebia-se que dificilmente haveria arte para desmontar a teia.

Do mal, o menos, houve para golo de honra. Por Bas Dost, já com Markovic também em campo, à terceira tentativa da conta pessoal. Antes, atirara de cabeça ao lado e de pé direito, sem preparação, para o mesmo destino. Bryan Ruiz falhara a outra oportunidade do leão.

Veio tarde e a más horas o golo do Sporting. Quem acreditava que alteraria alguma coisa? Não alterou, como seria mais normal. O lado ilógico do futebol já tinha sido levado ao extremo na primeira parte por onze rapazes vestidos de verde e branco. O Rio Ave, não se confunda. O Sporting jogou de negro como a noite. E a exibição.