300 jogos de caravela ao peito. Tarantini foi lançado de início frente ao Arouca e alcançou um marco redondo nesta sexta-feira. O número por si só impõe respeito. Estatísticas à parte, foi o sentido de liderança que transformou o baionense num dos símbolos do Rio Ave.

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Em nove temporadas, o médio de 33 anos viu passar seis treinadores pelos Arcos. Ganhou, empatou e perdeu com todos. Ficou como mais ninguém associado aos momentos altos do clube no século XXI, entre finais de taças nacionais e a primeira aventura europeia na história do clube.

Na verdade, o atleta começou a dar os primeiros toques na bola nas encostas do Marão, lá bem longe da foz do Ave. Debutou como sénior na Covilhã e fez carreira entre a segunda liga e os escalões não profissionais. Seguiu para Gondomar, antes de estender a carreira até ao sul do país. De resto, Portimão veio a ser a rampa de lançamento para criar uma nova era em Vila do Conde.

«Víamos sempre nele qualidades para ser capitão»

Tarantini, nome de guerra com raízes argentinas, chegou no verão de 2008. Sem muitos holofotes apontados, assinou pelo Rio Ave com o intuito de saborear o topo da pirâmide. Mesmo sem ter certezas absolutas.

«Ele já estava contratado para a próxima temporada, mas não sabia se iria jogar na primeira ou na segunda liga, porque estávamos a lutar para subir. Na última jornada fomos ao Feirense precisando de um empate. Perdíamos até ao minuto 85 quando marquei e subimos. Quando chegou contou-me logo esta história», relata ao Maisfutebol Evandro Carlos Escardalete.

Os vila-condenses voltavam aos maiores palcos do futebol português. E só pensavam em prolongar a estadia por longos e bons anos. A ilusão acabou por virar realidade, numa mistura de experiência e mocidade. Desde muito cedo, o antigo avançado brasileiro foi um espetador privilegiado do crescimento do jovem Tarantini.

O médio português agarrou logo a titularidade na estreia contra o Benfica. Aos poucos foi cultivando nas veias a mística rioavista. A personalidade carismática, essa, augurava-lhe há muito tempo a braçadeira de capitão.

«Passei dois anos com ele. Expressava-se bem e víamos sempre nele qualidades para ser capitão. Quando assim é não há como fugir. O Rio Ave foi sofrendo mudanças no plantel com a saída dos jogadores mais velhos da casa. E o Tarantini foi assumindo naturalmente esse papel», revela o «Herói da Feira», que jogou uma década nos Arcos.

Ricardo Pateiro também passou duas temporadas com «Tara», mas numa fase posterior. Ao Maisfutebol defende que era fácil prever o destino do camisola oito rioavista. «Está sempre muito focado em melhorar cada vez mais. Quem lidou com ele de perto no dia-a-dia percebia que fazia tudo com determinação e seriedade. É uma pessoa muito amiga e companheira, sempre disponível para ajudar os mais novos. As memórias que guardo são as melhores possíveis», descreve o médio setubalense, que jogou pelo Rio Ave entre 2011 e 2013.

«Nunca nos imaginamos num mesmo clube por tanto tempo»

Tarantini é um caso raro de longevidade no futebol português. Ao longo da carreira apontou 28 golos e ultrapassou os 23 mil minutos de caravela ao peito. Depois de Augusto Gama e Niquinha, é o terceiro jogador com mais partidas pelo Rio Ave. No ano passado superou mesmo o brasileiro em partidas para o campeonato português.

«Nunca nos imaginamos num mesmo clube por tanto tempo. Aconteceu comigo e está a acontecer com ele. Na altura as referências eram eu, Gama, Niquinha e Bruno Mendes. Hoje está o Tarantini nessa posição e tem representado muito bem», compara Evandro.

Sobre o novo marco estabelecido, Pateiro arrisca um prognóstico: «Só significa que é peça-chave para se manter ao mais alto nível num clube com a exigência do Rio Ave durante os próximos anos». O brasileiro é mais emotivo. «Vê-lo a completar 300 jogos com a camisola que representei por dez temporadas é sensacional», assume.

Sem pensar no final da carreira, Tarantini tem consolidado o estatuto de referência no emblema dos Arcos. Orienta os mais graúdos e aconselha os miúdos a seguir os melhores caminhos para o triunfo.

Uma vida além dos relvados

Apesar de se ter entregado sem limites à carreira profissional, o camisola oito não é um futebolista comum. Não há lugar para extravagâncias ou adereços. Brincos e penteados de última geração nem pensar. Tatuagens espalhadas pelo corpo muito menos. Mas há mais.

Tarantini optou por ser estudante nas horas vagas, numa prova de que a vida académica pode ser compatível com as exigências da alta competição. Primeiro veio a Licenciatura em Desporto. Depois uma tese de mestrado sobre o «Sucesso Defensivo no Futebol». O trabalho foi apresentado há dois anos na Universidade da Beira Interior e mereceu a distinta nota de 18 valores.

Por outro lado, o jogador quis deixar um cunho pessoal no capítulo pós-futebol. Há uns meses apresentou o projeto «A Minha Causa», alinhavado em duas missões: alertar os jovens para as dificuldades de chegar ao topo e preparar a carreira pós-futebol dos jogadores profissionais.

«O ‘Tara’ teve sempre uma maturidade acima da média. É um jogador diferenciado, não só pelas suas capacidades futebolísticas, mas também pelo homem de personalidade e carácter forte que é. Também está muito consciente das dificuldades. Tudo isto faz dele um líder natural», defende Ricardo Pateiro.

Contas feitas, em fim de carreira, Tarantini terá pouco mais a ambicionar nos relvados. Talvez o trigésimo golo e uma taça pelo clube de Vila do Conde. «Sinto orgulho e prazer nestes 299 jogos. Se o treinador assim o pretender, e quando o pretender, farei o jogo 300, depois o 301; 2, 3, 4 e por aí fora. O que importa é continuar a sentir esta alegria e esta força cá dentro, como se fosse o primeiro dia», referiu em declarações ao site do Rio Ave.

Já o aluno Ricardo José Alves Monteiro quer subir ao grau de doutor. E justificar o porquê de a aposta nos livros corresponder a uma gestão responsável do futuro. Afinal, a vida nunca deixou de ser mais importante do que tudo o resto.