Há 16 anos, o Paços de Ferreira protagonizava na II Liga uma recuperação espantosa. Valer-lhe-ia não só a subida ao escalão principal como o título naquele campeonato. A 30 de janeiro, a derrota com o Maia deixava a equipa pacense no 10º lugar a 11 pontos da subida. Faltavam 15 partidas para o fim e a equipa nunca mais perdeu: fez três empates e 12 vitórias. O mítico Paços de José Mota nasceu ali. Mas não parou. Na época seguinte, em 2000/01, frente ao pior Benfica de todos os tempos, acabou por fazer história na Luz, um palco que ao qual regressa nesta sexta-feira.  

Os encarnados tinham começado com Jupp Heynckes, Mourinho chegou cedo na época e cedo partiu, Toni era o treinador que iria acabar a temporada. Entrava-se na 22ª jornada. O Boavista era líder, estava a dois pontos e visitou Lisboa.

Roger em ação com o Boavista. Com o Paços, o brasileiro bem tentou carregar a equipa em ombros

O que se passou a seguir foi um terramoto que abalou as fundações da Luz. O nulo com os axadrezados nessa ronda foi a primeira consequência. A liderança ficou no poste da baliza de Ricardo e seguiram-se derrotas em Braga e Restelo. A queda tinha começado, mas novo jogo na Luz podia sustê-la, pois a antiga Catedral ainda era uma fortaleza nessa temporada.

Na jornada 25, o Paços de Ferreira visitou a Luz para fazer algo que nenhuma outra formação pacense conseguiu: vencer o Benfica no próprio estádio.

«Foi o meu primeiro ano em Paços. Na altura, o Paços já não estava há alguns anos na I Liga. Havia muita gente sem experiência de I Liga. Eu vinha do Gil Vicente, mas para muitos era uma novidade. Foi uma época em que as coisas começaram bem e fizemos boas exibições.»

A recordação de Zé Nando dá-nos enquadramento para o que era aquela equipa e para a sucessão de eventos que levaram o Benfica ao pior lugar da sua História no campeonato. Apesar de tudo, os encarnados ainda não tinham perdido em casa nessa temporada. Na luta pelo título, os oito pontos podiam ser recuperáveis. O calendário mostrava jogos como Boavista-Sporting, Sporting-Benfica e FC Porto-Boavista, mas era necessário reagir de imediato.

O Paços acabou com as dúvidas, porém. E levantou outra.

Único treinador do P. Ferreira a vencer na Luz, José Mota fez incríveis 11 pontos com os grandes em 2000/01. Notável.

Se a águia caía a pique, Rafael levantava voo. Um brasileiro bom de bola fez aquilo que, depois dele, apenas oito jogadores conseguiram: bisar no Estádio da Luz contra o Benfica (Chadli, do Tottenham, foi o último a fazê-lo, já no novo estádio).

O camisola 19 fez o 1-0 aos 26 minutos e o pesadelo encarnado começava no mesmo sítio em que se iniciava um triunfo histórico do Paços.

«Lembro-me que fiz a assistência para o golo do Leonardo, mas confesso que não sei se foi o primeiro, o segundo ou o terceiro. Já o Rafael era um brasileiro muito bom tecnicamente. Bisar na Luz foi um trampolim.»

A passe de Zé Nando, então, outro dos cinco brasileiros que o Paços tinha naquele plantel aumentou para 2-0.

Zé Nando na Luz, aqui com as cores do Penafiel, numa eliminatória da Taça de Portugal.

Ora, se de um lado brilhava Rafael e o Paços, do outro só brilhava Roger. O esquerdino estava a dar um espetáculo à parte na formação encarnada e foi descobrir Carlitos para reduzir o marcador antes do intervalo.

A Luz vivia uma tarde de grande futebol, com um jogo aberto. O Paços de 2000/01 estava decidido a não ter a mentalidade vigente quando David defrontava Golias.

«Aquele Paços era um bocado diferente. Era lutador e jogava muito aberto, com bom futebol. Era a política do treinador. Jogávamos fora e em casa de modo igual. Não me recordo se o Benfica nessa altura já estava mal. Era sempre complicado defrontar um grande. Mas a nossa mentalidade era essa, de conquistar os três pontos, mas também jogar bem. Desde o início da época que se instalou uma mentalidade ofensiva e as coisas foram correndo bem.»

Também correu muito bem a Rafael que fez o 1-3 e ainda que Roger reduzisse para 2-3, a primeira e única vitória do Paços de Ferreira na Luz estava escrita. Até em casa, afinal, aquele Benfica perdia.

«Os dias após o jogo foram vividos de forma diferente, era quase impensável o Paços vencer na Luz. Era uma equipa pequena. Éramos muito inexperientes. Ganhar 3-2 foi um feito histórico. Os momentos pós-jogo foram aproveitados para promover o clube, através da imprensa. Era impensável o Paços vencer.»

Não era, porém, a primeira vez que os pacenses venciam um grande nessa temporada. Nem seria a última. Em seis jogos com FC Porto, Sporting e Benfica, o Paços de Ferreira de José Mota apenas perdeu um (Antas, 2-1)!

Na Mata Real, bateu os dragões por 1-0 e infligiu dois nulos a leões e águias. Depois, veio essa vitória com o Benfica, por 3-2, com bis de Rafael e um golo de Leonardo.

A época ainda tinha reservado algo mais no confronto com os leões e os mesmos protagonistas do inaudito triunfo na Luz surgiram para aplicar um 3-1 ao leão: Leonardo marcou um, Rafael marcou dois… e transferiu-se para o FC Porto no final da temporada.

O golo de Leonardo ao FC Porto nessa época: o brasileiro marcou aos três grandes nessa época

 

O Benfica 2000/01 tinha começado a cair e ainda ia a meio do poço. Levantou-se a dúvida, impensável até então, sobre se iria às competições europeias. Os nove jogos seguintes, com apenas duas vitórias, encarregaram-se de fazer daquele Benfica o pior de sempre no campeonato e tornar realidade a cruel ausência da UEFA.

Uma conjuntura oposta à que vive agora. Embalado por uma série de quatro triunfos consecutivos em todas as provas, líder da Liga. Recebe agora uma equipa cuja única vitória na Luz corresponde também à única vez em que lá conseguiu pontuar. Passaram 15 anos, 14 jogos na Luz e dois estádios.

Zé Nando, entretanto, deixou de jogar futebol. Mas está atento.

«Neste momento, o Benfica está bem, está a fazer uma boa época, numa fase boa, mesmo desfalcado de alguns jogadores importantes. O Paços está a fazer um campeonato mais ou menos, não sei se dentro ou não do que foi definido por eles internamente. Defrontar o Benfica já é complicado, defrontar um Benfica motivado por vitórias ainda mais.»

O saldo na Luz é claramente favorável aos encarnados, mas no momento mais negro da história do clube no campeonato nacional está lá um ponto a dizer Paços de Ferreira.