De três os treinadores da Liga rapidamente fizeram cinco. Na última temporada houve em média 4.6 substituições por jogo no campeonato português, ligeiramente acima do valor da época anterior, que já colocava a Liga na frente do pelotão na Europa. As cinco substituições trouxeram muitas novas possibilidades. Na abordagem ao jogo, na forma de gerir cada partida e também na gestão dos jogadores e da equipa. Tendências, dúvidas e ideias, pelo olhar dos treinadores que refletiram com o Maisfutebol sobre o tema. 

Foi a pandemia que trouxe a mudança. Naquele ano de 2020, sob a ameaça da doença, das quarentenas e da recuperação dos futebolistas e perante o congestionamento do calendário depois das paragens, ter mais jogadores disponíveis em cada jogo foi uma resposta óbvia para viabilizar o regresso das competições. A medida foi sendo prolongada e, num contexto de crescente pressão de calendário, o International Board decidiu em 2022 introduzi-la de forma permanente nas Leis do Jogo, citando «forte apoio de toda a comunidade do futebol» e mantendo a lógica de três janelas temporais, mais o intervalo, para se proceder às substituições.

No último relatório sobre a atividade dos clubes europeus, divulgado em fevereiro deste ano, a UEFA constata que o número de substituições por jogo aumentou progressivamente nas últimas temporadas. Portugal, com uma média de 4.45 alterações em 2021/22, liderava a tendência, apenas atrás da Espanha, com 4.53 de média por jogo. Esse valor, segundo dados do Maisfutebol, foi ainda mais alto em 2022/23, com média de 4.6 por jogo.

A Liga dos Campeões segue a mesma tendência. O relatório da UEFA analisou a fase de grupos de 2022/23 e concluiu que, além de ter aumentado o número de substituições por equipa – 4.5, contra 4.2 em 2020/21 -, também tem aumentado o número de jogadores utilizados. O relatório salienta a importância desses dados, «tanto no contexto de proteger os jogadores de cargas de trabalho excessivas causadas pela disrupção no calendário como para dar experiência de competições europeias a mais jogadores».

Entre os grandes campeonatos, a Liga inglesa foi a última a aderir às cinco substituições. Só o fez em 2022/23, depois de muito debate. Questionava-se nomeadamente se a medida não iria contribuir para maior desequilíbrio e beneficiar as equipas mais fortes, com maior profundidade de opções. E levantavam-se outras questões, como nota o treinador Rui Pedro Silva, que trabalhou com Nuno Espírito Santo no Wolverhampton naquele período. «Durante a pandemia foi bastante útil», nota o técnico. «Posteriormente, o que se discutiu na Liga inglesa, foi que as últimas substituições eram utilizadas maioritariamente nos últimos cinco minutos. Ou seja, eram utilizadas mais para gestão de tempo do que para gestão do jogador. A conclusão da Liga inglesa é que retirava o tempo útil ao jogo.»

O que as cinco substituições podem trazer ao jogo

Em Portugal, as cinco substituições estão amplamente assimiladas, mesmo por quem tinha algumas dúvidas de início. Como Vasco Seabra, que ao longo deste período orientou Boavista, Moreirense e Marítimo. «Quando a possibilidade surgiu não achei grande piada», diz o treinador ao Maisfutebol: «Achava que podia beneficiar as equipas com melhores individualidades. Obviamente, uma equipa que tem 22 jogadores a um nível muito alto, pode trocar cinco e o nível mantém-se muito alto. Enquanto uma equipa que tenha um plantel não tão nivelado por cima, se troca cinco jogadores eventualmente perderá alguma qualidade.»

Mas mudou de ideias. «Acho que reverteu exatamente ao contrário. Deu maior competitividade aos grupos de trabalho e acho que trouxe mais benefícios ao próprio jogo e mesmo para os adeptos, que acabam por achar mais engraçado, parece-me, a forma como o treinador pode mudar a forma de jogar e como o outro tem de responder e a forma como as equipas vão responder uma à outra.»

Jorge Castelo, treinador, professor e formador de treinadores com larga experiência, viu desde o início na alteração uma oportunidade não apenas para gerir melhor o esforço dos jogadores, mas também para dar maior intensidade e dinâmica ao jogo. Falou sobre isso ao Maisfutebol em outubro, considerando que era «fundamental perante a densidade competitiva» do futebol atual, agravada na época que passou por causa do Mundial do Qatar.

A questão da sobrecarga de jogos acentua-se a cada ano, como insistem em alertar as organizações que representam os jogadores. Como resume Jorge Castelo: «A densidade competitiva deve ter um limite, há sempre limites para a performance humana.»

As cinco substituições são mais uma ferramenta para lidar com a questão, numa altura em que no futebol de alto nível a gestão física dos jogadores se faz já de uma forma muito estruturada, com trabalho de vários departamentos e métodos que passam nomeadamente pela monitorização em tempo real. «Ouvimos falar das unidades de desenvolvimento e de performance de clubes como o Benfica ou o Sporting, que trabalham diferentes vertentes de preparação do treino - fisiológica, psicológica, técnica, tática», observa Jorge Castelo. «Dão um conjunto de indicações ao treinador sobre cada jogador», acrescenta. «Um exemplo. O Morita este ano parece-me que foi poupado em certos jogos do Sporting. Foi evidente, pelas palavras do Rúben Amorim. A decisão estava nele, mas tinha um comprometimento por parte da unidade de performance.»

«Cada vez mais está-se a tornar fundamental num clube esta interligação com os departamentos», diz por sua vez Rui Pedro Silva: «Há duas vertentes fundamentais. A robustez física dos jogadores, o trabalho de prevenção de lesão, que é fundamental para eles conseguirem aguentar esta carga de jogos, e depois a rotatividade e a leitura que conseguimos fazer de todos os dados.»

Para lá da gestão do esforço, Jorge Castelo vê vantagens claras nas possibilidades que se abriram com as cinco substituições. «No fundo, é mudar 50 por cento de uma equipa. Podemos manter um ritmo de intensidade muito mais elevado», observa, falando ainda da maior capacidade de intervenção nas mãos do treinador. «Pode-se pré-visualizar o que pode acontecer no jogo e preparar diferentes cenários.»

Não se trata de alterar drasticamente a ideia de jogo com a partida a decorrer, defende. «Vai é levar a mudar as características dos jogadores que formatam o modelo de jogo. Uma coisa é jogar por exemplo com o Toni Martínez e o Evanilson e outra com o Taremi e o Evanilson. Eles vão cumprir as mesmas funções táticas, mas com particularidades individuais diferentes.»

Vasco Seabra reforça essa ideia. «Mudando só as características dos jogadores já acaba por diferenciar aquilo que são as incidências do jogo», diz o treinador, falando também do que as cinco substituições trouxeram ao jogo. «Faz todo o sentido para a gestão do jogo e também pelas diferentes nuances estratégicas que se conseguem ter durante o jogo. Com cinco substituições isso acaba por ser mais produtivo e mais capaz de ser feito. E também para a gestão do próprio grupo, pela forma como conseguimos gerir o grupo.»

Rui Pedro Silva traz outro olhar à conversa, não tão convertido à mudança. O técnico que começou por trabalhar como adjunto de Jesualdo Ferreira e depois de Nuno Espírito Santo e que assumiu como treinador principal ao comando do Famalicão em 2021/22, vê o recurso como mais uma ferramenta, mas a ser usada com parcimónia. Em nome do equilíbrio.

«A partir do momento em que entra um jogador, a equipa demora entre dois a cinco minutos a adaptar-se a essa substituição. Porque existe a comunicação dos jogadores, existem ritmos diferentes, o próprio jogador quando entra necessita de alguma adaptação para conseguir entrar no ritmo do jogo», diz. «Eu não sou muito apologista de fazer as cinco substituições, porque acho que interfere muito nas rotinas de equipa. Agora, quando quiser mexer com o jogo, se tiver essa necessidade, aí sim, consigo quebrar bastantes rotinas e alterar o jogo.»

«Em Inglaterra cheguei a fazer um estudo sobre isso e a maior parte dos treinadores assumiam que a partir do momento em que mudavam mais de três jogadores por posição a rotina da equipa já se alterava. Já perdiam padrões, já perdiam rotinas», acrescenta Rui Pedro Silva.

E para algo diferente… Guardiola

Talvez seja boa altura para juntar outro dado à conversa. Ou melhor, o exemplo de outro treinador. Pep Guardiola, o técnico que esta época liderou o Manchester City na tripla conquista da Liga dos Campeões, Premier League e Taça de Inglaterra – apenas a segunda vez na história que uma equipa o fez – é tradicionalmente «conservador» nas substituições. Nas últimas duas épocas foi o treinador que menos alterações fez no decurso dos jogos na Premier League – média de duas em 2020/21 e pouco acima das três na última temporada. Chegou a não fazer nenhuma, por mais do que uma vez.

Esta época, não fez qualquer alteração no empate a uma bola com o Leipzig, na primeira mão dos oitavos de final da Liga dos Campeões. «O facto de poder fazer cinco substituições não significa que as tenha de fazer, e eu sou suficientemente bom treinador para decidir o que devo fazer», começou por responder, quando lhe perguntaram porque não mexeu na equipa. «Estava a gostar do que estava a ver», acrescentou. Na segunda mão, o City venceu por 7-0.

A gestão de Guardiola passa sobretudo pela preparação de cada jogo e pela rotatividade de jogadores entre jogos. «O Pep Guardiola não tem utilizado as cinco substituições, mas tem alterado o onze inicial», observa Jorge Castelo, acreditando que essa gestão foi reforçada pelas contingências da época. «Esteve sempre na luta para chegar ao primeiro lugar no campeonato, na tentativa de ultrapassar o Arsenal, esteve na Liga dos Campeões e depois ganhou também o resto. Mas penso que vamos continuar a ver um Pep Guardiola novamente na mesma dinâmica, mais de gestão do onze.»

Essa gestão faz parte da abordagem ao jogo do treinador catalão, nota por sua vez Vasco Seabra. «O que sentimos é que ele traz um plano para o jogo em que acredita muito e normalmente só em situações de lesão, ou situações extremas em que os jogadores não estejam a produzir aquilo que ele pretende, é que altera», diz: «Faz uma rotação muito mais de jogo para jogo e muito menos dentro do jogo. Tem um plano muito identificado para cada jogo, muito estratégico, e a forma como planeia passa também pelos jogadores em quem confia para aquelas tarefas.»

Essa abordagem, como qualquer outra, precisa também de ser compreendida pela equipa, acrescenta Jorge Castelo. «O importante é a liderança que do treinador em relação ao grupo. Se essa liderança for compreendida pelo grupo, faz todo o sentido. Na ligação entre o treinador e o grupo deve haver sempre um conjunto de linhas orientadoras para que cada jogador saiba qual é o seu lugar dentro da centralidade da decisão.»

Mais mudanças mais cedo na Liga

Uma maior rotatividade no onze depende também da profundidade de opções no grupo, notam os técnicos, admitindo que isso seja mais fácil para equipas mais fortes e com mais meios. «Ter um plantel com equilíbrio numa base de 16 jogadores é fundamental para essa rotatividade e para poder alterar o onze», diz Rui Pedro Silva, uma ideia reforçada por Jorge Castelo: «Um plantel não são só 11 jogadores. Eu aponto para uma profundidade que vai até aos 16/17 jogadores que justificam um investimento forte, esperando depois no futuro que outros nos possam surpreender.»

Não há uma fórmula de sucesso, mas diferentes conceções e processos para chegar onde se quer. Na Liga portuguesa, o caminho tem sido cada vez mais no sentido de esgotar o recurso das substituições adicionais. E isso tem vindo a ser otimizado, considera Jorge Castelo. «Como princípio, os treinadores estão a compreender melhor como jogar com as cinco substituições», afirma.

As alterações nos últimos 15 minutos ainda são maioritárias, mas temos assistido cada vez mais na Liga a várias mudanças em simultâneo ao intervalo, por exemplo. «Acho que já se está a mexer mais cedo», diz Vasco Seabra. «Essencialmente ao intervalo, acho que essa alteração é significativa.»

«Há uma tendência para os treinadores mexerem no jogo aos 60 minutos», constata por sua vez Jorge Castelo. «Mas acho que cada vez mais os treinadores vão ter menos receio de mexer no jogo antes.»

Há inúmeras variáveis na decisão de mudar um jogador, mas elas entram na equação cada vez mais cedo. Alguns exemplos apenas, mais notórios, do último campeonato. No clássico da primeira volta com o FC Porto, por exemplo, Roger Schmidt trocou três jogadores para o arranque da segunda parte e disse depois que o fez «para acabar o jogo com onze jogadores». Sérgio Conceição fez duas alterações ainda na primeira parte e mais uma ao intervalo no nulo em Braga, Rúben Amorim também mexeu logo na primeira parte no clássico de Alvalade com o FC Porto, além de ter feito entrar e sair Ricardo Esgaio ao fim de 15 minutos. Mas no dérbi da penúltima jornada o treinador do Sporting limitou-se a fazer duas alterações, contra quatro de Schmidt. O Sporting-Benfica foi aliás um dos jogos da Liga 2022/23 com menos substituições.

O «conservador» Roger Schmidt

Roger Schmidt, o treinador do campeão Benfica, foi dos técnicos que promoveram menos substituições, tanto no campeonato como no conjunto da época: 4.2 por jogo em média. Como termo de comparação, Sérgio Conceição, o treinador do vice-campeão, fez em média 4.7 alterações por jogo somando todos os jogos da temporada, que foram 55, menos um do que o Benfica.

O número de substituições, já está claro, não é uma medida de sucesso ou insucesso. Mas a ideia de que Schmidt foi conservador a rodar a equipa e dividiu o desgaste por menos jogadores é reforçada por mais dados, que vão para lá da mera contabilidade de substituições. Se tivermos em conta os 11 jogadores mais utilizados ao longo da época, constatamos que no Benfica eles jogaram 80.2 por cento dos minutos possíveis na Liga, valor que desce para 76.3 no total das competições. No FC Porto, os 11 mais utilizados por Sérgio Conceição nas várias competições jogaram 67.8 por cento dos minutos. O Sp. Braga, terceiro classificado, tem uma média ainda mais baixa, de 66.9, enquanto no Sporting esse valor foi de 73.87 por cento.

Recorrendo novamente a Pep Guardiola como comparação, os 11 mais utilizados do City têm 67,5 por cento dos minutos. Na fase de grupos da Liga dos Campeões da época passada, segundo dados da UEFA, essa métrica dos 11 mais utilizados situou-se em média nos 71 por cento.

«Roger Schmidt prefere deixar os jogadores estarem mais tempo no jogo», constata Vasco Seabra. «Apesar de eu perceber, tenho sentido que pode ser uma vantagem a substituição e a modificação que ela pode trazer, pela frescura e pelas diferentes características que novos jogadores trazem ao jogo.»

«É a personalidade de cada treinador também, a forma como conduz a sua equipa», diz por sua vez Jorge Castelo, falando do caso concreto de Schmidt. «Vai ser interessante ver o que o Roger Schmidt vai fazer com melhor banco, se vai reagir mais rapidamente. Porque eu acho que ele em certos jogos tomou decisões erradas, chegou à situação de ter dois jogadores a aquecer até aos 90 minutos para fazer uma substituição aos 90 minutos quando estava a perder um jogo. Pode sempre dizer que o fez porque não tinha uma segunda linha. O Benfica em certos jogos, contra o Sporting e o Portimonense, em nove jogadores tinha cinco defesas mais o guarda-redes no banco. Agora, com uma segunda linha mais forte, vamos ver se ele tem essa propensão de fazer substituições mais cedo.»

As cinco substituições vieram para ficar. Vão continuar a mudar o jogo, sempre um processo dinâmico, vão depender de cada treinador, de cada momento. Mas também podem ser trabalhadas de forma mais estrutural, acredita Rui Pedro Silva, que olhando para o futuro admite que a forma de as otimizar possa levar a todo um processo de treino adicional. «O que eu acho que vai acontecer naturalmente, para os treinadores tirarem mais partido das cinco substituições, vai ser quase em treino prepararmos um sistema alternativo com essas cinco substituições. Porque se elas acontecerem só em jogo ocasionalmente, vai-se perder o que é o padrão e as rotinas da equipa.»

Jorge Castelo, por seu lado, considera mais estimulante a perspetiva de o treinador ter mais margem de improviso em jogo. «Acho que o treinador tem de ter capacidade intuitiva para mudar o jogo. É uma apreciação individual, não digo que os melhores treinadores são os que mexem mais no jogo. Mas gosto mais dos treinadores que modificam as situações e têm mais flexibilidade do ponto de vista estratégico-tático.»