A saída de PC Gusmão do Marítimo voltou a confirmar uma tendência brutal dos últimos anos: o treinador brasileiro está a ter cada vez mais dificuldade em singrar em Portugal. A primeira chicotada da Liga é apenas o último dado a juntar a outros para se perceber esse declínio.

É verdade que a Europa sempre foi um lugar difícil para quem atravessa o Atlântico vindo do Brasil, mas a liga portuguesa era como um cantinho à parte no panorama da UEFA.

Agora, o sucesso é tão raro que há quase dez anos que não há um técnico brasileiro a apurar-se para uma prova da UEFA em Portugal. E apenas um treina nos oito primeiros campeonatos do ranking UEFA: Fabiano Soares, do Estoril, que comentou o tema ao Maisfutebol.

Mas primeiro passemos a factos. Vejamos a imagem abaixo e as últimas 25 temporadas:

O último a qualificar um clube português para a Europa foi Sebastião Lazaroni em 2007/08 (5º com o Marítimo). A Madeira é, aliás, o local em que os técnicos brasileiros se dão melhor. PC Gusmão foi contratado para fazer o mesmo, mas agora só Fabiano Soares tem essa hipótese.

«Estão a tentar começar mudar as coisas, mas para os brasileiros cá é difícil. O PC veio, é um grande treinador, mas provavelmente não conhecia a Liga. Não sei, não estou lá para perceber o que pode ter acontecido», disse o treinador do Estoril ao Maisfutebol.

Fabiano Soares admite que, no geral, o choque de um futebol diferente é, provavelmente, a principal razão para que não tenha compatriotas noutras ligas. E explica-o até como contraponto à própria situação na equipa da Linha.

«Eu conheço melhor o futebol europeu, tenho um pouco mais de facilidade. Fiz a minha formação toda na Europa», lembrou o técnico estorilista, que jogou em Espanha e lá tirou o curso.

Para Fabiano Soares, há um trabalho de formação que falta. «Agora há uma geração nova, que tem vindo à Europa aprender e no Brasil também começa a haver cursos. Vão aparecer treinadores brasileiros, mas a primeira dificuldade é perceber o campeonato, fazer essa adaptação», sublinhou.

«Há gente nova no Brasil que está a tentar formar um grupo para dar cursos de treinadores, inclusive nas faculdades. Vamos ter de esperar. Acenderam a chama, mas é difícil, complicado, é preciso tempo», acrescentou o líder do Estoril.

O país organizou o Mundial 2014 e, no final, instalou-se uma crise no futebol da nação do escrete, mais visível após os 7-1 infligidos pela Alemanha na meia-final.

«A crise de treinadores do Brasil já vinha de antes do Mundial 2014, por falta de uma formação séria da CBF, em trabalho com a FIFA», considerou Fabiano Soares. Ou seja, dá ideia que a uma crise no comando técnico sucedeu-se outra em campo. Fará sentido.

Em 2014, o futebol canarinho, pentacampeão do mundo, chocou de frente e em força contra o europeu. Pode argumentar-se que o Brasil é campeão olímpico, mas também é verdade que ninguém apostou no Ouro no Rio 2016 como o escrete.

O problema parece ser mesmo de conhecimento e até de abertura. O Brasileirão teve dois técnicos portugueses nesta temporada. Sérgio Vieira e Paulo Bento acabaram despedidos de América de Minas Gerais e Cruzeiro.

Os dois portugueses foram apenas mais dois num campeonato extremamente difícil para forasteiros. Para se ter uma noção, apenas um estrangeiro venceu a competição nacional e de um modo caricato: ainda com a denominação Taça do Brasil, em 1959, Carlos Volante fez do Bahia o primeiro representante na Copa Libertadores ao ser o técnico da finalíssima com o Santos. Sublinhe-se que foi técnico apenas e só na finalíssima.

Fabiano Soares aproveitou o exemplo de Vieira e Bento para justificar: «Está fora de dúvida que eles os dois são bons treinadores, mas a mentalidade no Brasil é diferente. Sem conhecer o Brasil é complicado. É preciso chegar, conhecer o país e ter três ou quatro resultados bons.»

O que nos leva a outro dado relevante apontado pelo treinador do Estoril. «Na Europa, há mais paciência dos dirigentes com os treinadores. O futebol brasileiro é imediato.» E quase exclusivo. Ou seja, o choque entre o futebol português e o brasileiro é grande a nível técnico.

Em Portugal, sete campeonatos e meio foram conquistados por brasileiros.

Otto Glória venceu quatro (Benfica), Carlos Alberto Silva dois (FC Porto), Dorival Yustrich um (FC Porto).

Otto Bumbel foi treinador dos dragões até à sétima jornada da época 1958/59, como predecessor de Bela Guttmann.

Glória foi o brasileiro de maior sucesso em Portugal e na Europa. Para além dos campeonatos venceu quatro Taças de Portugal e levou a seleção ao terceiro lugar do Mundial 1966.

Scolari foi selecionador, vice-campeão da Europa e conseguiu um quarto lugar no Mundial 2006. Falhou redondamente no Chelsea.

O que nos leva à Europa para engrandecer o quadro. Como se disse, nas oito ligas que dominam o ranking UEFA (Inglaterra, Espanha, Alemanha, Itália, França, Portugal, Rússia e Ucrânia) só a nossa tem campeões brasileiros. Na Holanda, outra liga com peso, também nunca houve.

É preciso ir até à Turquia reparar que o Fenerbahçe teve três técnicos brasileiros que levaram quatro vezes a equipa ao título: Didi (1973/74 e 1974/75), Carlos Alberto Parreira (1995/96) e Zico (2006/07).

Entre os cinco campeões do mundo pelo Brasil, dois passaram por cá: Scolari, claro, e Aimoré Moreira (Boavista e FC Porto). Mário Zagallo nunca arriscou a travessia e Vicente Feola também não. Parreira foi campeão na Turquia, mas fracassou em Valência.

Ninguém teve oportunidade tão grande como Vanderlei Luxemburgo. O único a treinar o Real Madrid. No clube de Chamartin podia ter-se tornado no primeiro treinador brasileiro a conquistar uma prova europeia.

Não aconteceu. E não se vislumbra que aconteça. A Europa é um local demasiado distante para o treinador brasileiro. Portugal começa a sê-lo. Ainda que a Madeira fique entre um país e o outro.