João Cancelo deverá ser o próximo a deixar o Benfica a troco de alguns milhões sem nunca se ter afirmado na equipa principal.

O lateral tem correspondido quando chamado e as portas abrem-se ainda mais com a lesão do habitual titular Antonio Barragán. Com dinheiro fresco, o Valencia não terá muito por que recusar o negócio, a não ser que não acredite no potencial visível do jovem de 20 anos.

Um dia depois da oficialização de Bernardo Silva faz sentido que olhemos também para o lateral, que, até mesmo mais que o avançado, levanta algumas questões sobre a política de aproveitamento da formação por parte do clube da Luz. 

Cancelo somou mais minutos que Bernardo (70 contra 31), sobretudo porque foi titular no Dragão, na última jornada da Liga. Não esteve na partida da Taça com o Cinfães, e jogou oito minutos com o Gil Vicente na Taça da Liga. Apesar da aposta inicial frente ao FC Porto, há fortes indícios de que Jesus não contava com ele para tão cedo.

Curiosamente, o lateral é daqueles de que Jesus gosta: muito ofensivo, rápido, com intensidade muito interessante, e que pode ser trabalhado defensivamente. Afinal, o técnico não deixou esgotar a sua paciência (e a dos adeptos) com Bruno Cortez, no outro lado da defesa, que tem precisamente o mesmo perfil, era sete anos mais velho e, parece inequívoco, tinha e tem bem menor potencial?

No Seixal, a exemplo do que acontecia com Bernardo Silva, e agora com outros nomes emergentes, Cancelo era tido em muito boa conta.

Maxi Pereira, o titular do lado direito, faz 31 anos em junho e está em final de contrato.

Sílvio, com 27, encontra-se emprestado pelo Atlético Madrid e tem um historial longo de lesões.

André Almeida, aos 24, é o «bombeiro» de serviço e, apesar de cumprir, dificilmente será visto como mais forte candidato a um lugar indiscutível no onze no início de uma temporada. Qualquer treinador gosta de ter um jogador assim no plantel, porque é de uma utilidade a todos os níveis, mas tem algumas lacunas para poder ser competente em todas as partidas, sobretudo como lateral.

Os dois últimos podem ser desviados para a esquerda. O último inclusive para o meio-campo.

Bruno Gaspar, mais ou menos um ano velho que Cancelo, está emprestado ao Vitória de Guimarães.

Acredito que o tempo máximo de maturação de um jovem numa equipa B é de duas épocas – não só por si, mas pelo espaço que deve libertar para os mais novos que continuam a chegar. Cancelo esteve uma. Por exemplo, Hélder Costa, agora emprestado ao Corunha, passou lá duas temporadas e meia.

Depois, há que enquadrar o futuro destas promessas. Se tem qualidade imediata para se afirmar poderá entrar na equipa principal, se não a tem mas pode crescer rapidamente há que encontrar alternativas e uma delas é o empréstimo. Essa cedência deve, obviamente, implicar critério: terá de perspetivar minutos frequentes e a equipa deverá potenciar as características do jogador e não minimizá-las.

Há outras questões a gerir. O poder financeiro do clube que recebe o emprestado, a competitividade do campeonato em que está inserido e o próprio jovem futebolista.

É óbvio que as palavras de Luís Filipe Vieira sobre Bernardo Silva e João Cancelo (e também Ivan Cavaleiro) – «têm vínculo e se nada de anormal acontecer vão voltar ao Benfica», disse, em entrevista a «A Bola», no início deste mês não fazem grande sentido. O «anormal» seria voltarem. Jovens com este potencial a viver diariamente em clubes com bom poder de compra (mesmo que o Mónaco atravesse uma fase diferente daquela em que comprou Falcao, James e Moutinho)? Só se a vida lhes corresse muito mal.

O mesmo Vieira, seis meses antes, tinha sido bem mais claro e até profético«Imagine que surge uma proposta de 15 milhões por um jogador que nunca jogou na equipa principal do Benfica? Não podemos ignorar.»

Os encarnados, perante a oportunidade de fazer negócio, a necessidade de gerar dinheiro periodicamente e a falta de perspetiva de enquadramento desportivo no seu plantel destes talentos, sentem-se obrigados a vender.

Bruno Gaspar estará a fazer um percurso mais natural. Ficou por perto, ganhou experiência e mostrou qualidade. Fará sentido que, se continuar assim, entre no plantel dos encarnados no início da próxima temporada ou na seguinte.

Seria um caminho lógico.

O Benfica terá visto em Gaspar maior capacidade de afirmação a curto prazo ou em Cancelo melhor oportunidade de negócio? Ou ambas? Ou terá sido fruto das circunstâncias? Num clube que olha para a formação com essa dupla visão tudo isto teria sido minimamente planeado. E não estou a sugerir que não o foi. Apenas não é claro nesta altura.

Acredito que, como Bernardo, Cancelo já não volte.

Também creio que, desportivamente, o lateral tinha qualidade suficiente para ser o backup de Maxi nas sobras deixadas pelo uruguaio já esta época.

Tenho ainda a certeza de que o homem que fez de Coentrão um lateral de nível mundial (e não só) tem mestria suficiente para elevar a qualidade defensiva de um miúdo com explosão ofensiva. Tal como terá com Bruno Gaspar ou outro.

Para um Cancelo no Benfica será provavelmente tarde, a troco de uns quantos milhões.

O investimento no Seixal está a dar frutos. Os resultados têm aparecido nas camadas jovens, há muitos miúdos nas seleções nacionais em todos os escalões, e começam a surgir nomes muito interessantes para o futuro próximo.

João Teixeira, Gonçalo Guedes e Renato Sanches poderão ser os próximos a ter de ser enquadrados a curto prazo e o clube terá de dar resposta eficaz. É a altura de, na Luz, se começar a olhar como um todo para o que se está a conseguir produzir do outro lado do rio, sem que naturalmente perca essa vertente comercial de que precisa para sobreviver ou desperdice boas oportunidades de compra no mercado.

Na verdade, o Benfica precisa de acreditar mais em si. Jesus precisa de acreditar mais no Benfica. Tal como os que estão fora, como o Monaco e o Valencia, já fazem.

Luís Mateus é subdiretor do Maisfutebol e pode segui-lo no Twitter.