Quando a atitude de uma equipa muda tanto de uma primeira parte para a segunda é muito provável que, no final, alguém pergunte ao treinador o que disse aos jogadores ao intervalo. É um clássico das conferências de imprensa e talvez volte a ouvir-se esta noite no final da reviravolta que mantém o Benfica na luta da Liga. A verdade, porém, é que o triunfo encarnado, mais do que numa mudança de chip, define-se na persistência e na convicção de que, mais tarde ou mais cedo, o processo dará frutos. E se não for o processo que seja...Jonas.

Até porque os frutos, sublinhe-se, chegaram-se não só pelo pé do brasileiro, a virar o resultado, mas sobretudo quando o processo já não era bem o habitual, com a equipa descaracterizada, completamente inclinada para a frente e com um rival em agonia, à espera de todos os momentos para meter gelo no jogo e sem pernas para contrariar o que se começou a desenhar mal o brasileiro emendou convictamente o remate atabalhoado de Raul Jimenez, empatando o jogo. Com 1-1 percebeu-se que dificilmente o Paços aguentaria a pressão e o futebol acabou por ter lógica esta noite, numa vitória arrancada a ferros, com muito mais dificuldade do que o 3-1 final irá mostrar nas páginas do livro de história.

Aliás, na primeira parte, sobretudo, o Paços ainda incomodou bastante o Benfica, aproveitando uma entrada em jogo desligada e dificuldades evidentes de adaptação ao esquema rival, que encaixava como uma luva naquele que tem sido o habitual do Benfica e Rui Vitória, até no onze, replicou.

O golo, por exemplo, até por ser relativamente madrugador, mostra um pouco desse lado mais atrevido pacense, condensado num Grimaldo nas covas perante Xavier e numa bomba de Luiz Phellype que Varela só viu passar.

Se não se esperava, naturalmente, um Paços de ataque continuado, o golo marcado cedo deixou ainda mais claro como seria o filme do jogo: um teste à consistência da equipa de João Henriques perante um Benfica em contrarrelógio.

A verdade, contudo, é que só nos minutos finais da primeira parte os encarnados carregaram verdadeiramente sobre o Paços, pois tudo o resto foram mimos numa muralha. Miguel Vieira evitou que Jonas marcasse de cabeça corrigindo uma falha de marcação própria e, depois, Rafa, também de cabeça, atirou às malhas laterais.

O apito para o intervalo teve ares de bálsamo para os pacenses, já esgotados. E esperava-se que a segunda parte pudesse ser um filme parecido com os dez minutos finais da primeira. Foi, claramente.

O Paços de Ferreira praticamente só defendeu, porque não havia pernas para aproveitar os espaços nas costas da subida defesa do Benfica, que jogou quase todo esse período na metade contrária. O jogo transformou-se num tiro à parede e parecia uma missão impossível que o Paços, tão recuado e, ainda assim, a ceder tantos espaços, não acabasse por sofrer um golo. Como veio a acontecer, claro, numa altura em que ainda havia bastante tempo para jogar.

João Henriques percebeu, talvez até tarde, que Quiñones não estava a conseguir resolver os vários fogos que Rafa, o melhor depois de Jonas, e André Almeida lhe abriam pela frente. Lançou Filipe Ferreira para ajudar a travar as investidas encarnadas e fechar o corredor. Na primeira ação no jogo, o lateral, ainda frio, perdeu para Rafa que cruzou rasteiro na linha. Jiménez atirou contra Jonas, o brasileiro atirou para a baliza.

Estávamos no minuto 72 e, como dissemos, percebeu-se que, se estava difícil para o Paços, pior ia ficar. A verdade é que, até ao 2-1, não se pode dizer que o Benfica tenha desperdiçado muito. O Paços aguentava-se, jogava com o relógio, enervava o rival e foi já com Seferovic em campo no lugar de Grimaldo, numa substituição clássica de Rui Vitória em momentos de aperto, que veio o golo que tudo decidiu. O internacional suíço cruzou, Jonas desviou ao primeiro poste, Defendi só tocou para confirmar que a bola entrava mesmo.

A loucura encarnada arrestou-se até ao apito final, com festa em cada um dos sete minutos de compensação dados por Fábio Veríssimo, que se portou muito bem num jogo muito difícil. O Benfica pediu penálti várias vezes mas só numa queda de Rafa ficam algumas dúvidas. O vermelho a Gian, já nos descontos, por pisar Jonas também parece justo.

Antes do último apito, Rafa ainda marcou o terceiro mascarando o resultado de uma aparente tranquilidade que não passa de ilusão.

Foi a ferros que o Benfica se manteve na luta da Liga, mas ultrapassou mais um obstáculo dos poucos que lhe restam fora de portas, dizendo aos rivais, sobretudo ao FC Porto que lidera, que, mesmo que perca o cetro, não o fará sem dar resposta. A noite de Paços de Ferreira pode ter ajudado a perceber que a Liga vai ser mesmo decidida até à última.