2 de Março. A data de mais um clássico Benfica-F.C. Porto, um clássico a ferver até verter, está marcada na história de uma rivalidade sem paralelo em Portugal: a rivalidade Lisboa-Porto. A 2 de março de 1894, há precisamente 118 anos, jogou-se pela primeira vez este clássico. Ganhou Lisboa.

Na altura o Foot-Ball Club do Porto defrontou o Club Lisbonense. Os lisboetas, liderados pelo manos Pinto Basto, viajaram 14 horas de comboio até chegar à estação de Campanhã. O jogo realizou-se no Campo Alegre, nas instalações do Oporto Cricket. Um golo chegou para fazer o resultado final.

Um jogo inspirado... na Taça do Rei

Ricardo Serrado é historiador e investigador da história do futebol português na Universidade Lusófona. Diz que esse foi o primeiro jogo de âmbito nacional em Portugal e que foi inspirado pela Taça do Rei, de Espanha. «A ideia era ter uma equipa de Lisboa, Porto, Coimbra, Viana do Castelo...»

Impossível de todo, claro. «As cidades mais pequenas não tinham ainda equipas de futebol. A modalidade tinha sido introduzida há pouco em Portugal.» Em Espanha, por outro lado, a competição desenvolvia-se. «Foi esse torneio que veio dar origem à Taça do Rei, uma prova que ganhou robustez.»

Esses eram tempos diferentes, porém: tempos do futebol aristocrata. O bigode levantado nas pontas estava para os respeitáveis senhores como as tatuagens estão agora para os jogadores, nas bancadas não havia claques, só homens de cartola e mulheres de sombrinha. Mas já havia rivalidade, claro.

«A rivalidade Porto-Lisboa começa mais ou menos em meados do século XIX, quando o Porto começa a ganhar protagonismo político e industrial. Quando o F.C. Porto nasce, é um clube marcadamente regional. Ao contrário de outros, que representam bairros, o F.C. Porto representa uma cidade: o Porto.»

O jogo entre o Foot-Ball Club do Porto e o Club Lisbonense ganhou protagonismo porque foi apoiado pelo rei. D. Carlos encomendou uma taça em prata, que fez questão de oferecer ao vencedor, e patrocinou o desafio. Incluiu-o até nas festas henriquinas, que celebravam 400 anos do Infante D. Henrique.

«D. Carlos era um aficionado pelo desporto. Praticava ténis, esgrima, tiro ao arco e sentia-se na obrigação de patrocinar e ajudar a desenvolver as novas modalidades.» Para além disso, lá está, queria importar a ideia de uma Taça do Rei. A competição recolheu o nome dele: e a família real marcou presença.

A rainha manda jogar mais um pouco

Chegou atrasada, é verdade, quase no fim do jogo: D. Carlos, D. Amélia e os filhos D. Afonso e D. Manuel. Ora o encontro, que estava quase a terminar, recebeu por isso quinze minutos de descontos. A pedido da raínha D. Amélia, que se manifestava com uma vontade real de ver mais um pouco.

Lisboa, já se disse, venceu (1-0). O «Sport» conta que «quatro minutos depois de Suas Majestades e Altezas chegarem ao campo, os forwards de Lisboa marcaram um goal». Lisboa já tinha tido na primeira parte um golo anulado: um defesa do Porto marcou na própria baliza... com a mão. Não valeu, claro.

Esta noite, 118 anos depois, Porto e Lisboa voltam a encontrar-se. O jogo mudou, o orgulho não. A rivalidade, essa, cresceu com o jogo. «Cresceu sobretudo após a chegada de Pinto da Costa e José Maria Pedroto ao clube. Trouxeram um discurso regionalista e tornaram o clube no mais vencedor», diz Ricardo Serrado.

Naquela altura, porém, era impossível prever tal coisa. Ricardo Serrado garante que o futebol «era um jogo de nobres, sem qualquer ligação às classes populares». Estas preferiam... o ciclismo. «Havia poucos portugueses nas equipas. O Porto, por exemplo, só tinha dois.» Há coisas que mudaram pouco...