Filho de uma professora e de um militar, Luís Castro nasceu em Vila Real, cresceu em Vieira de Leiria, mora no Porto e, durante a última temporada, viveu em Chaves. Em Águeda, chegou a trabalhar como vendedor de embalagens para dar o bom exemplo à filha mais nova.  

Foi um adolescente idealista, que discutia política com o pai e ia a comícios dos partidos de esquerda no pós-25 de abril, e tem como referência os primeiros treinadores.

Hoje, é um gentleman do futebol, que gosta de jazz e de leituras como as que o amigo Vítor Frade lhe recomenda.

Esta terceira parte da entrevista do Maisfutebol revela um lado mais pessoal de Luís Castro, um homem que não gosta das redes sociais por preferir tocar, sentir e olhar nos olhos. E que aprecia de ouvir as filhas dizer:  “O nosso Chavinhos lá ganhou… E jogou bem, pai!"

Parte I: «Tenho que andar rápido, já não tenho 30 anos»

Parte II: «No FC Porto não resolvi nada, só ajudei a que o tempo passasse»

Disse que não liga às redes sociais. Sente a falta de feedback relativamente ao seu trabalho ou encontra-o na família?

O principal feedback tem de vir de dentro de nós, através da introspeção, da análise. De dentro ecoa qualquer coisa que nos estabiliza ou instabiliza. Jamais iria a uma rede social para me estabilizar. Gosto de tocar, de olhar nos olhos, de sentir. Gosto desse lado emocional do ser humano e a rede social não consegue isso.

Já disse publicamente que a opinião da sua filha de 21 anos era o barómetro das exibições da sua equipa.

Porque aquilo é dito de forma muito pura: “Pai, não jogaste nada”. A mais velha, que tem 30 e trabalha em Berlim, também faz a sua apreciação. Sem filtros. Elas dizem-me com carinho: “O nosso Chavinhos lá ganhou… E jogou bem, pai!” Aquele “jogou bem” é mais importante do que discursos de pessoas que não me dizem nada. Porque sabemos que vem de dentro. Não é para agradar. Outras vezes, dizem: “pai, não jogaste nada”. E eu respondo: “Eu sei, filha” [risos].

É uma avaliação mais emocional e menos técnica?

A mim interessa-me analisar o lado estratégico, coisa que a maior parte das pessoas não sabe. No caso das minhas filhas, o que está em causa é o lado estético: a jogada bonita, as triangulações, um cruzamento, uma finalização, linhas bem montadas para sair para ataque fluído… Esse lado estético do jogo, que eu procuro que as minhas equipas pratiquem, é o que dá prazer às pessoas. Sentir o estádio é outra das coisas importantes. Sentir os nossos adeptos quando o jogo acaba. Eles são muito puros. Quando não gostam, mandam umas assobiadelas. Quando gostam, nós sentimos toda aquela emoção.

Estando num meio pequeno, onde se vive intensamente o clube da terra, como convive com essas reações dos adeptos ao longo da semana?

Vivo em Chaves, no Forte de São Francisco. Jantava sempre no mesmo local e o senhor do restaurante, o senhor Santos, sentia que a falta da família nunca se substitui, mas pode atenuar-se. Naquele momento do jantar, chegava o meu amigo padre César e eu conversava com ele, tal como com o senhor João, um agricultor, era outra das minhas companhias à mesa, além dos assistentes, que também se sentavam por ali. O mais interessante é que nunca se falava de futebol. As pessoas percebiam que eu precisava de me equilibrar ali e proporcionavam-me isso. Sentia-se o futebol sem se falar sobre ele.

Falando do Luís Castro não só como treinador de futebol… Estamos a entrevistá-lo na Casa da Música. Gosta de música?

Adoro. Chego ao treino e a primeira coisa que faço é ouvir música. Gosto muito de jazz, de fado, de blues. Não consigo trabalhar sem música de fundo.

Considerando que não pensar em futebol também é preciso…

É fundamental.

Entretém-se com o quê?

Com a família. Com cinema, leitura, música, televisão. Seleciono o que quero ver: documentários, programas de televisão. Seleciono tudo o que me entra pela casa dentro. Tudo. Leio o livro que quero, vejo o programa e o filme que quero. É muito difícil entrar-me um programa pela casa dentro e eu estar a comê-lo. Recuso-me a isso.

Que livro nos aconselharia a ler?

Estou a ler um livro fantástico. “Como tornar-se sobre-humano”, de Joy Dispenza. Aconselho. Foi o meu amigo Vítor Frade que me aconselhou.

Íamos falar-lhe dele, que aliás o acompanhou durante anos na coordenação da formação do FC Porto. Aprende-se a ver futebol de uma forma diferente ao lado do professor?

Com ele aprende-se a analisar e a refletir futebol de uma forma diferente. É alguém que se formou em educação física, que se formou em filosofia e tem três anos do curso medicina. Está tudo dito sobre esse alguém, que deu aulas durante 40 anos.

Não é por acaso que o Luís Castro já disse que sente a falta de conhecimento dos treinadores em várias áreas. Filosofia, anatomia…

…Fisiologia, neurociência, línguas estrangeiras. Acho que nós, treinadores, devíamos de ser formados de outra forma. Para eu estar aqui convosco e acelerar a fundo em algumas matérias.

Há algum treinador que o tenha marcado na sua carreira?

O senhor Orlando Rousseau e o senhor Graça. Não conhecem, pois não? Foram os meus treinadores da formação na União de Leiria e no Vieirense. A minha mãe era professora, o meu pai era militar [na base de Monte Real]. Já tinha uma disciplina forte em casa, mas eles foram os primeiros professores de liderança que eu tive. Entregaram-me a braçadeira de capitão quando eu era muito novo e disseram-me o que eu tinha de fazer: ensinaram-me a importância da leitura, do bom comportamento, do respeito pelo outro. Foram os primeiros a dizer-me: “Tens de trazer para o futebol os valores que os teus pais te estão a ensinar porque aqui eles ainda pesam mais.” Essas duas pessoas nunca mais as vou esquecer na vida. São os meus treinadores de referência.

Se não fosse treinador, via-se hoje como militar ou como professor?

Como professor, sim. Como militar, não. Sou daqueles idealistas que achava que o mundo não devia de ter militares por ser sinónimo de que não havia guerras.

Imagino que enquanto adolescente isso lhe proporcionasse algumas divergências com o seu pai.

Um bocadinho. Até mesmo a nível político. Eu vivia em Vieira de Leiria, ao lado da Marinha Grande. PCP muito enraizado… Os meus amigos eram trabalhadores das fábricas de vidros e de limas, muitos comícios do MES, do MRPP, da LUAR. Um período muito quente. Eu tinha uns 12, 13 anos e fui crescendo naquele ambiente. Muita discussão política em casa, mas foi bom. É em casa que nós devemos aguçar os dentes, para depois cá fora podermos morder se for necessário.

Durante um certo período da sua vida, em Águeda, conjugou o futebol com outra profissão.

Fui comercial de uma empresa. O Águeda passou a amador e a treinar à noite. Não estava confortável em passar o dia sem fazer nada. Eu tinha uma filha pequena, a Maria, a mais nova, e eu acho que não era bom eu sair de casa e ela saber que eu não tinha nada para fazer durante o dia. [pausa] Acho que seria um mau exemplo para a minha filha.

Foi pedir emprego?

Falei com o presidente do Águeda na altura, o senhor Avelino Pinto, e disse-lhe: “Se me puder arranjar um emprego para trabalhar antes das 18h30, agradeço.” Então, ele disse-me: “Queres vender umas embalagens?” E eu: “Vendo o que for preciso.” Na altura, era 300 euros que ele me pagava. Mas eu queria era ter o tempo ocupado. O dinheiro fazia-me falta. Tenho muito respeito pelo dinheiro. Se eu ia trabalhar em algo que não sabia fazer ia exigir o quê? Não tinha de exigir nada. Mas passado uns tempos eu já vendia muito; tanto que eu já não queria ser treinador profissional. Até que apareceu a Sanjoanense. Aí, já treinava de dia, porque era uma equipa profissional. Mesmo assim não me deixavam sair da empresa. “Fazes só o que podes”, diziam. Mas não deu para conjugar. Já lá vão quase 20 anos.

Houve uma altura em que não queria ser treinador profissional, mas lá tirou o nível 3 do curso de treinador a conselho da sua mulher.

Ela gosta de mim... [risos] E como gosta de mim achava que quanto mais ferramentas eu tivesse, melhor – ela é professora também. Felizmente, hoje sou um homem do treino. Não consigo vender mais nada. Só consigo vender futebol.

Parte I: «Tenho que andar rápido, já não tenho 30 anos»

Parte II: «No FC Porto não resolvi nada, só ajudei a que o tempo passasse»

artigo atualizado: hora original 23:57, 17-05-2018